domingo, 29 de novembro de 2015

Bibliotecas


As bibliotecas deviam ser declaradas da família dos aeroportos, porque são lugares de partir e de chegar.
Os livros são parentes directos dos aviões, dos tapetes-voadores ou dos pássaros. Os livros são da família das nuvens e, como elas, sabem tornar-se invisíveis enquanto pairam, como se entrassem dentro do próprio ar, a ver o que existe para depois do que não se vê.
O leitor entra com o livro para o depois do que não se vê. O leitor muda para o outro lado do mundo ou para outro mundo, do avesso da realidade até ao avesso do tempo. Fora de tudo, fora da biblioteca. As bibliotecas não se importam que os leitores se sintam fora das bibliotecas.
Os livros são também toupeiras ou minhocas, troncos caídos, maduros de uma longevidade inteira, os livros escutam  e falam ininterruptamente. São estações do ano, dos anos todos, desde o princípio do mundo e já do fim do mundo. Os livros esticam e tapam furos na cabeça. Eles sabem chover e fazer escuro, casam filhos e coram, choram, imaginam que mais tarde voltam ao início, a serem como crianças. Os livros têm crianças ao dependuro e giram como carrosséis para as ouvir rir e para as fazer brincar.
Os livros têm olhos para todos os lados e bisbilhotam o cima e o baixo, a esquerda e a direita de cada coisa ou coisa nenhuma. Nem pestanejam de tanta curiosidade. Podemos pensar que abrir e fechar um livro é obrigá-lo a pestanejar, mas dentro de um livro nunca se faz escuro. Os livros querem sempre ver e estão sempre a contar.
As bibliotecas só aparentemente são casas sossegadas. O sossego das bibliotecas é a ingenuidade dos ignorantes e dos incautos. Porque elas são como festas ou batalhas contínuas e soam canções ou trombetas a cada instante.

Valter Hugo Mãe
(Arte de JAS)
https://www.youtube.com/watch?v=paNhhUaLZXc

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