sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Museu do Prado

24 de Maio de 1881

Enquanto Madrid tiver o seu Museu e o deixar ver aos estrangeiros, os estrangeiros não terão direito de pedir nenhuma outra coisa a Madrid. 
Que importa a má cozinha de pimentão, de azeite e de alho, que tão negras fomes fez passar a Dumas quando ele cá veio?
Que importa a ventania agreste, que representa aqui o papel da brisa, e da qual dizia Théophile Gautier que ela faz voar pelos ares não só os chapéus dos homens, mas os próprios cornos dos bois?
Que importa a melancólica e mísera exiguidade desse pobre rio Manzanares, que a municipalidade deveria ter o cuidado de mandar regar às tardes por causa do pó?...
Entrar no Museu de Madrid é na arte um facto tão importante, como é na religião o entrar no Santo Sepulcro Sepulcro em Jerusálem. 
Tenho-me por insuspeito. Não sou a respeito de coisa nenhuma o que se chama em absoluto um crente.
A pintura antiga é-me em geral antipática: em primeiro lugar, porque é antiga, o que é meio caminho andado para ser morta; e em segundo lugar, porque é respeitada. Desde que um artista principia a infundir nas turbas o respeito, ele está acabado como artista, e é apenas um manipanso.
Oh! como eu fui feliz a primeira vez que vi o divino Rafael, em o achar sinceramente, cordialmente, do fundo da minha alma, um belo e sublime sensaborão!
Mas no Museu de Madrid há alguma coisa excepcional e única, tanto na arte antiga como na moderna.
Há Velasquez e há Goya.
Goya é o pintor da força, e Velasquez é o pintor da vida.

Pinturas de Goya 








Goya representa na pintura a mais mordente expressão que pode assumir o sarcasmo, a mais explosiva forma que pode tomar o rancor e o ódio. A sua tinta insulta, infama e dissolve. Os seus pincéis açoitam como azorragues, lanham a pele, dilaceram as carnes. Nos ingredientes da sua factura entram as pedras preciosas e a lama infecta das ruas, a pulverização das pérolas moídas e a pólvora, o orvalho e o vitríolo.
Goya é na arte o precursor do niilismo social.


Pinturas de Velasquez









Velasquez é de per si só toda uma escola, todo um museu. A sua obra prodigiosa é a história inteira de um século. 
O largo ralo da sua visão abrange a vida em todas as suas manifestações, e fixa para a imortalidade todos os tipos preponderantes da sociedade do seu tempo, os tipos da corte e os da igreja, os tipos da rua e os da taverna, a nobreza e a vilanagem, o paraíso e o bordel. Galeria assombrosa de Reis e de histriões, de padres e de saltimbancos, de virgens e de cortesãs, de operárias e de princesas, de sábios e de comediantes, de heróis e de anões, de santos e de bêbados, de deuses e de mendigos, de cortesãos e de cínicos, de bobos e de mártires!

Ramalho Ortigão

https://www.youtube.com/watch?v=ydIC7D2oo7o

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