quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Miguel Torga o insubmisso



Coimbra, 20 de Junho de 1975 

Estranha revolução esta, que desilude e humilha quem sempre ardentemente a desejou. A mais imunda vasa humana a vir à tona, as invejas mais sórdidas vingadas, o lugar imerecido e cobiçado tomado de assalto, a retórica balofa a fazer de inteligência. Mas teimo em crer que apesar de tudo valeu a pena assistir ao descalabro...



Chaves, 11 de Setembro de 1975

LAMENTO

Pátria sem rumo, minha voz parada
Diante do futuro!
Em que rosa-dos-ventos há um caminho
Português?
Um brumoso caminho
De inédita aventura, 
Que o poeta, adivinho,
Veja com nitidez
Da gávea da loucura?

Ah, Camões, que  não sou, afortunado!
Também desiludido,
Mas ainda lembrado da epopeia...
Ah, meu povo traído,
Mansa colmeia
A que ninguém colhe o mel!...
Ah, meu pobre corcel
Impaciente,
Alado
E condenado
A choutar nesta praia do Ocidente...

Miguel Torga
Retrato de Isolino Vaz



Coimbra, 1 de Nov. de 1983

Memória
De todos os cilícios, um, apenas
Me foi grato sofrer
Cinquenta anos de desassossego
A ver correr 
Serenas
As águas do Mondego


Escultura que assinala o percurso que Miguel Torga fazia do seu consultório na Portagem até à beira do Mondego para ir apreciar a paisagem.

Obra concebida pelo arquitecto José António Bandeirinha e pelo artista plástico António Olaio.

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