sábado, 23 de novembro de 2024
A caminho do seminário
terça-feira, 5 de novembro de 2024
Estação ferroviária
sábado, 26 de outubro de 2024
Saí do comboio
A conversa agradável
A fraternidade da viagem.
Tive pena de sair do comboio, de o deixar.
Amigo casual cujo nome nunca soube.
Meus olhos, senti-os, marejaram-se de lágrimas...
Toda despedida é uma morte...
Sim toda despedida é uma morte.
Nós no comboio a que chamamos a vida
Somos todos casuais uns para os outros,
E temos todos pena quando por fim desembarcamos.
Tudo que é humano me comove porque sou homem.
Tudo me comove porque tenho,
Não uma semelhança com ideias ou doutrinas,
Mas a vasta fraternidade com a humanidade verdadeira.
A criada que saiu com pena
A chorar de saudade
Da casa onde a não tratavam muito bem...
Tudo isso é no meu coração a morte e a tristeza do mundo.
Tudo isso vive, porque morre, dentro do meu coração.
E o meu coração é um pouco maior que o universo inteiro.
Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)
A locomotiva Tchaf
quinta-feira, 24 de outubro de 2024
Memórias de viagens de comboio
sábado, 5 de outubro de 2024
Mapa dos caminhos-de-ferro
sábado, 28 de setembro de 2024
As raízes
As raízes vão à frente. Puxam-nos para a frente.
Por vezes engrossam nos sapatos. Cheias de suor e cobertas de bocas.
Trazem os olhos cheios de noite e de formigas
e têm o peso de séculos de pão e morte, de mãe e cal.
Projectam-se para o sol em latidos de sangue
mas caem num fundo de chumbo ou numa imóvel sombra.
Crescem, crescem sempre com as cabeças feridas,
orfãs de um horizonte soterrado em escamas.
Ascendem à garganta com os dentes da terra
mas sustêm o grito como se fosse um osso.
Que querem elas dizer? Alegria, árvores,
astros? Ou a intensa sombra do silêncio?
Elas impelem-nos para a frente, para um futuro antigo
de lágrimas adolescentes e marinhas,
de rios juvenis, de grandes luas
e o coração late em águas vivas.
António Ramos Rosa
sexta-feira, 20 de setembro de 2024
Quero um cavalo de várias cores
Que só cavalos de várias cores
Podem servir.
Quero uma sela feita de restos
Dalguma nuvem que ande no céu.
Quero-a evasiva - nimbos e cerros -
Sobre os valados, sobre os aterros,
Que o mundo é meu.
Quero que as rédeas façam prodígios:
Voa, cavalo, galopa mais,
Trepa às camadas do céu sem fundo,
Rumo àquele ponto, exterior ao mundo,
Para onde tendem as catedrais.
Deixem que eu parta, agora, já,
Antes que murchem todas as flores.
Tenho a loucura, sei o caminho,
Mas como posso partir sozinho
Sem um cavalo de várias cores?
Cavalos Azuis, de Franz Marc
Nem sequer chego a espantar-me por ser capaz de o fazer.
Um dos cavalos vem na minha direcção.
O seu nariz azul fareja-me levemente. Ponho o meu braço
em volta da sua crina azul, não para o prender, apenas
para estabelecer uma ligação.
Ele permite-me esse prazer.
Franz Marc morreu jovem, o cérebro rebentado pela metralha.
Eu preferia morrer a ter de explicar o que é a guerra
aos cavalos azuis.
Eles desfaleceriam, tomados pelo horror, ou simplesmente
não acreditariam nas minhas palavras.
Não sei como posso agradecer-lhe, Franz Marc.
Talvez o desejo de criar algo de maravilhoso
seja a semente de Deus que existe em cada um de nós.
Agora os quatro cavalos aproximam-se ainda mais,
inclinam as cabeças sobre mim
como se tivessem segredos a revelar.
Não espero que me falem, e eles não o fazem.
Se serem tão belos como são não é suficiente, o que
teriam eles a dizer?
Mary Oliver (tradução de Luís Filipe Parrado)
sexta-feira, 23 de agosto de 2024
Terra-mãe
Vim ainda pequenino
- E pequenino me vejo...
Lá nos campos, tristes campos
Da solitária planura,
Nasceu a minha revolta,
Nasceu a minha amargura.
Lá dos campos, tristes campos,
Vem a lembrança de tudo
O que mais amo e desejo.
Vem a fome, a sede e o sono
Das terras do Alentejo!
Se fores ao Alentejo..
Não leves vinho nem pão:
Leva o coração aberto,
E ao lado do coração
Leva a rosa da justiça
E o teu filho pela mão.
Se fores ao Alentejo
Não leves vinho nem pão:
Leva o teu braço liberto
Para abraçar teu irmão;
Esse irmão que está tão perto
Do teu aperto de mão
E que tão longe amanhece
Nos campos da solidão.
Se fores ao Alentejo
Não leves vinho nem pão:
Leva a alegria de seres
Irmão de quem vai parir
Uma seara de trigo,
Uma charneca a florir,
Um rebanho e um abrigo
E um amanhã que há-de vir
Como se fosse outro amigo
Dentro do sol, a sorrir.
Se fores ao Alentejo
Não leves vinho nem pão:
Leva o coração aberto
E o teu filho pela mão.
Eduardo Olímpio
O novo Alentejo
sexta-feira, 9 de agosto de 2024
Avós
Minha mão tem manchas,
pintas marrons como ovinhos de codorna.
Crianças acham engraçado
e exibem as suas com alegria,
na certeza - que também já tive -
de que seguirão imunes.
Aproveito e para meu descanso
armo com elas um pequeno circo.
Não temos protecção para o que foi vivido,
insónias, esperas de trem, de notícias,
pessoas que se atrasaram sem aviso,
desgosto pela comida esfriando na mesa posta.
Contra todo artifício, nosso olhar nos revela.
Não perturbe inocentes, pois não há perdas
e, tal qual o novo,
o velho também é mistério.
Adélia Prado, prémio Camões 2024
quarta-feira, 31 de julho de 2024
Castro Marim
CASTRO MARIM
Lenda: O sapo e o mouro do castelo
Campo de numerosas batalhas, Castro Marim viu o seu castelo mudar de
bandeira um par de vezes. Ora hoje moura, ora amanhã cristã, ali há também um
alfobre de lendas de mouros encantados.Infelizmente a memória de muitas delas
perdeu-se, sobretudo no que se refere a pormenores. E ainda bem que Ataíde
Oliveira (1843-1915) entendeu coleccionar quanto pôde (e muito foi!) da tradição
algarvia. Não fora ele e nada saberíamos de um certo sapo.
Que sapo? Pois um que havia no
sítio da Espargosa, numa horta próxima de Castro Marim. Não era um sapo
qualquer, era um mouro encantado. Muita gente da vila o viu, mas a partir de
determinada altura, desapareceu. Tanto quanto se diz, desapareceu porque se
quebrou, por fim, o seu encantamento. Porém, nessa mesma hora foram vistas,
pela meia-noite, algumas mouras, pertencentes a outros encantamentos!
E também foram vistas ao meio-dia,
que é a hora em costumam pentear os seus cabelos com pentes de ébano, decorados
com embutidos naquele precioso metal. Houve quem as visse.
Por outro lado, os noctívagos de
Castro Marim, quando lançam o olhar pelas arruinadas muralhas da sua vila, às
vezes topam com um mouro a passear por lá. A lenda diz que o mouro era um homem
riquíssimo e que em tempos protegeu uma família, ainda que as pessoas se tenham
esquecido porquê! É o mouro do castelo e pronto.
Igualmente, registou Ataíde
Oliveira, que no arco de Herveira, ainda nas imediações de Castro Marim, ao
meio-dia e à meia-noite, mouros e mouras encantadas apareciam a quem por lá
passava.
Uma proprietária daqueles sítios,
certa noite, enfrentou-se com uma figura, a quem por diversas vezes atirou o
seu punhal, sem lhe poder acertar. Por outro lado, a tal figura também não a
conseguiu agarrar. Acabou esta por desaparecer e a senhora, ao chegar a casa,
viu que tinha o corpo como se lhe tivessem batido! As pessoas até diziam que
tinha sido uma luta da senhora, que se chamava, Ana Faísca, com um bicho
monstruoso, por causa do desencanto de um mouro. A senhora não negava a luta,
mas não aceitava a motivação....
Também para os lados das Vargens de
Belixe, reza outra lenda, que ao meio-dia, se escutava, «ais» lamentosos que
vinham do meio da terra.Muita gente lá terá ido ouvi-los, mas ninguém se deu ao
trabalho de averiguá-lo! Contava-se também nos serões desta vila a história dos
nove mouros encantados. O próprio Ataíde Oliveira diz que pediu a um amigo que
lhe arranjasse os termos da história, mas ele não consegui descobrir nada,
estava tudo esquecido! E o grande investigador algarvio atribui à acção dos
frades a culpa da destruição da memória destas lendas.
Diz a lenda que antigamente, no local que hoje se chama Azinhal, existia um nobre muito poderoso e que era dono de muitas terras e que esse nobre tinha uma filha muito bela e que estava habituada a satisfazer todos os seus desejos.
Um dia essa rapariga conheceu um jovem cavaleiro, que era também muito belo e por quem se apaixonou. Só que esse jovem jurara a ele próprio que nunca se havia de se apaixonar por ninguém e que queria ser livre para sempre.
Entretanto, o jovem não conseguiu resistir ao encanto da jovem e apaixonou-se mesmo por ela. Então, a rapariga, impôs-lhe como condição, antes de se entregar, que ele renunciasse à sua liberdade.
Então o cavaleiro, desesperado e sem saber o que fazer da sua vida, correu até um montado de azinheiras e ao chegar junto de uma árvore cravou um punhal de oiro no coração e morreu.
Diz-se ainda hoje que este jovem costuma aparecer durante a noite com o peito ferido e a sangrar e que também se ouvem suspiros e o choro de uma jovem.
A lenda diz também que os dois continuam a amar-se eternamente e que ela, sempre a chorar, vai fazendo, vai tecendo finas rendas para tentar estancar o sangue que sai do coração do seu amado.
Foi também a partir desta lenda que terão surgido as rendas de bilros que são também hoje muito conhecidas aqui na aldeia, que algumas mulheres ainda continuam hoje em dia a fazer.
terça-feira, 16 de julho de 2024
O chico-espertismo
segunda-feira, 15 de julho de 2024
Actualidade do Zé Povinho
"Manguito" de Carlos de Oliveira "apareceu" em frente do Palácio de Belém, em 3/4/2023. O Sr. Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, autorizou que ficasse instalado no interior do Palácio, no jardim dos Teixos, enquanto decorre o processo relativo à sua localização definitiva.
Zé Povinho
sexta-feira, 28 de junho de 2024
Camões lamenta-se
E pera mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado.
Assim que, só pera mim,
Anda o Mundo concertado.
Em prisões baixas fui um tempo atado,
vergonhoso castigo de meus erros;
inda agora arrojando levo os ferros
que a Morte, a meu pesar, tem já quebrado.
Sacrifiquei a vida a meu cuidado,
que Amor não quer cordeiros, nem bezerros;
vi mágoas, vi misérias, vi desterros:
parece-me que estava assi ordenado.
Contentei-me com pouco, conhecendo
que era o contentamento vergonhoso,
só por ver que cousa era viver ledo.
Mas minha estrela, que eu já agora entendo,
a Morte cega, e o Caso duvidoso,
me fizeram de gostos haver medo.
domingo, 2 de junho de 2024
Saramago no Porto
terça-feira, 28 de maio de 2024
O Porto de Sophia
Nasci no Porto. A cidade, os seus arredores, as praias próximas, descendo para o Sul, permanecem para mim a pátria dentro da pátria, a Terra materna, o lugar primordial que me funda.
Ali estão as tílias enormes, as manhãs de nevoeiro, as
praias saturadas de maresia, os rochedos cobertos de algas e anémonas, as
Primaveras botticellianas, os plátanos, a cerejeira, as camélias.
Ali o rio, as casas em cascata, os barcos deslizando rente à
rua nas tardes cor de frio do Inverno.
Ali o cais, a Ribeira, os rostos, as vozes, os gritos, os
gestos.
Uma beleza funda, grave, rude e rouca. Escadas, arcadas,
ruelas abrindo para o labirinto do fundo do mar da cidade. E, aqui e além, um
rosto emergindo do fundo do mar da vida.
Porque ali é a cidade onde pela primeira vez encontrei os
rostos de silêncio e de paciência cuja interrogação permanece.
Porque ali é o lugar onde para mim começam todos os
maravilhamentos e todas as angústias.
Cidade onde sonhei as cidades distantes, cidade que habitei
e percorri na ilimitada disponibilidade interior da adolescência.
Descia pelo Campo Alegre, passava a Igreja de Lordelo,
seguia entre muros de jardins fechados.
Através das grades de ferro dos portões viam-se rododendros,
buxos, cameleiras.
Depois surgia um rio e ao longo do rio eu caminhava sobre os
cais de pedra, até à barra, até aos rochedos onde se espraiam as ondas.
Histórias de naufrágios, de barcos perdidos, de navios
encalhados. Por isso nas noites de temporal se rezava pelos pescadores.
Ouvia-se ao longe o tumulto do mar onde navegavam os pequenos barcos da Aguda
tentando chegar à praia. Quando a trovoada estava próxima, a luz apagava-se.
Então se acendiam velas e se rezava a Magnífica. […]
Porque nasci no Porto sei o nome das flores e das árvores e
não escapo a um certo bairrismo. Mas escapei ao provincianismo da capital.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Foto da casa Andresen
https://www.youtube.com/watch?v=Op2klbYYLIk
A velha e livre cidade do Porto
Nobre povo, és vencedor,
Generoso, ousado e livre,
Demos glória ao teu valor.
Refrão:
Eia avante, Portugueses!
Eia avante, não temer!
Pela santa Liberdade,
Triunfar ou perecer!
Algemada era a Nação,
Mas é livre ainda uma vez;
Ora, e sempre, é caro à Pátria
O heroísmo Português.
Lá raiou a Liberdade
Que a Nação há-de aditar!
Glória ao Minho que primeiro
O seu grito fez soar!
Segue, ó Povo, o belo exemplo
De tamanha heroicidade:
Nunca mais deixes tiranos
Ameaçar a Liberdade.
Fugi déspotas! Fugi,
Vis algozes da Nação!
Livre, a Pátria vos repulsa,
Terminou a escravidão!