Olhai honestamente para o vosso passado
escondido da rua pelos arbustos
oferecendo-se aos pedaços
naquilo que o rasurado quis extirpar
nos trechos sem relação que vos assaltam no sono
no desabamento, na estranheza
outro nome possível se transcreve
Considerai as vossas memórias pré-históricas
as primeiras declarações de amor pronunciadas
com lábios de sangue
a inervação magnética do vosso coração
dentro da caixa anatómica
dentro de uma caverna
na jangada que vos leva
Aprendei a observar com delicadeza
a terra inóspita antes de passar
a face molhada por uma chuva repentina
e o seu invencível sentido
Somos ainda os nativos, os mais remotos
Assim que chegarmos ao mar alto
e perguntarmos por que razão
seremos baixados por cordas
à casa demolida ainda iluminada
José Tolentino Mendonça
Pintura de Paula Rego
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