sexta-feira, 29 de abril de 2022

A rosa de Hiroshima

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada
.

Vinicius de Morais

https://www.youtube.com/watch?v=Tt_goIGovGs

sexta-feira, 22 de abril de 2022

A Salgueiro Maia


Aquele que na hora da vitória
Respeitou o vencido

Aquele que deu tudo e não pediu a paga

Aquele que na hora da ganância
Perdeu o apetite

Aquele que amou os outros e por isso
Não colaborou com a sua ignorância ou vício

Aquele que foi "Fiel à palavra dada à ideia tida"
Como antes dele mas também por ele
Pessoa disse.

Sophia de Mello Breyner Andresen
Cartaz de M. H. Vieira da Silva

terça-feira, 12 de abril de 2022

A Abóboda



(...) Assistiu o leitor à promessa que mestre Afonso Domingues fez a D. João I de que dentro de quatro meses lhe daria posto o remate na abóboda da casa capitular de Santa Maria da Vitória, e lembrado estará de como el-rei lhe prometera, também, mandar vir de Guimarães todos os oficiais portugueses que, despedidos da Batalha por mestre Ouguet, como menos habilidosos que os estrangeiros, haviam sido mandados para a obra de Santa Maria da Oliveira.
Este, resolvido, também, a cumprir o prometido, metera mãos à obra. O Capítulo foi desentulhado: aproveitaram-se as pedras da primeira edificação que era possível aproveitar, lavraram-se outras de novo, armaram-se os simples e, muito antes do dia aprazado, o fecho ou remate da abóboda repousava no seu lugar (...)
- Guarde-vos Deus, mestre Afonso Domingues! disse el-rei, vendo entrar o cego. - Aqui me tendes para ver acabada a feitura da mirífica abóboda do Capítulo de Santa Maria, cujos simples não quisestes tirar senão em minha presença.
 - Beijo-vo-las, senhor rei, pela mercê: dois votos fiz, se levasse a cabo esta feitura; era esse um deles...
- E o outro? - atalhou el-rei.
- O outro dir-vo-lo-ei em breve; mas por ora permiti que para mim o guarde.
Neste momento quatro forçosos obreiros chegaram à porta do Capítulo, trazendo sobre uma paviola uma grande pedra quadrada. Martim Vasques, que já lá estava, gritou ao cego arquitecto:
- Mui sabedor mestre Afonso, que quereis se faça do canto que para aqui mandastes trazer?
- Assentai-o bem debaixo do fecho da abóboda, no meio desse claro, que deixam os prumos centrais dos simples.
Os obreiros fizeram o que o arquitecto mandara; este então voltou-se para el-rei e disse:
- Senhor rei, é chegado o momento de vos declarar meu segundo voto. Pelo corpo e sangue do Redentor jurei que  assentado sobre a dura pedra, debaixo do fecho da abóboda, estaria sem comer nem beber durante três dias, desde o instante em que se tirassem os simples. De cumprir meu voto ninguém poderá mover-me. Se essa abóboda desabar, sepultar-me-á em suas ruínas: nem eu quisera encetar, depois de velho, uma vida desonrada e vergonhosa. Esta é a minha firme resolução.
- Esperai, esperai! - bradou el-rei. - Estais louco, dom cavaleiro? Quem, se vós morrerdes, continuará esta fábrica, tão formosa filha de vosso engenho?
- Mestre Ouguet - tornou o cego, parando. - Não sou tão vil que negue seu engenho e habilidade. Se a abóboda desabar segunda vez, ninguém no mundo é capaz de a fechar com uma só volta, e para a firmar sobre uma coluna erguida ao centro, mestre Ouguet o fará. Quanto ao resto do edifício, farei senhor rei que se prossiga meu desenho: é o que ora vos peço tão-somente.

Alexandre Herculano

domingo, 3 de abril de 2022

Real Mosteiro da Batalha






Este mosteiro está situado numa pequena vila, chamada Batalha, na província da Estremadura, a sessenta milhas de Lisboa. Foi fundado por D. João I, rei de Portugal, no final do séc. XIV, para memorar a vitória sobre as numerosas forças de Castela, na grande Batalha de Aljubarrota.
A arquitectura é do estilo chamado Gótico Normando Moderno e pode este mosteiro ser justamente considerado como um dos mais perfeitos e belos espécimes desse estilo.
No corpo da igreja não notámos quaisquer esculturas banais ou supérfluas, de que habitualmente estão recheados os edifícios góticos. Foram empregados nele alguns ornamentos, mas dispostos sóbria e judiciosamente, particularmente no interior, que é notável pela nobre e casta simplicidade. O efeito geral é grandioso e sublime, o que resulta do mérito intrínseco do desenho e não de embelezamentos arbitrários.




Entrada principal
O portal, que tem 28 pés de largo e por 57 de altura, é embelezado por mais de cem figuras em alto-relevo, representando Moisés e os profetas, santos e anjos, apóstolos, reis, papas, bispos e mártires, com as suas respectivas insígnias. Cada figura está colocada num pedestal ornamentado, sob um baldaquino delicadamente trabalhado. Estão separadas, entre si, por molduras que terminam em arcos pontiagudos.
Por baixo do vértice do arco inferior está sentada num trono uma figura com resplendor, sustentando na mão esquerda um globo erguendo-se à direita num gesto d benção. Esta figura representa o nosso Salvador, ditando a lei aos quatro Apóstolos que o cercam, com as respectivas insígnias.

James Murphy, 1795


Pulsemos a lira, que além se levanta
Padrão de vitória que imenso reluz!
Um templo e altares à Mãe sacrossanta;
Um templo, um poema que altivo descanta
Grandezas da pátria nos átrios da cruz (...)


Soares dos Passos

Nun'Álvares Pereira


Que auréola te cerca?
É a espada que, volteando,
Faz que o ar alto perca
Seu azul negro e brando.

Mas que espada é que, erguida,
Faz esse halo no céu?
É Excalibur, a ungida,
que o Rei Artur te deu.

'Sperança consumada,
S. Portugal em ser,
Ergue a luz da tua espada
Para a estrada se ver!

Fernando Pessoa
Painel (Estação do Rossio) de Lima de Freitas

sábado, 2 de abril de 2022

Batalha de Aljubarrota


Centro de Interpretação Batalha de Aljubarrota

Capela de S. Jorge

Monumento a Nuno Álvares Pereira, Aljubarrota

Pormenor do monumento


Assinatura do escultor




( ...) Mas o mosteiro tem um complemento e prólogo indispensável. Ninguém o deve visitar sem ir primeiro, como eu fiz pela mão de meu Pai, à capela de S. Jorge, construída pelo voto do condestável D. Nuno Álvares Pereira no lugar onde assentou a sua bandeira em 14 de agosto de 1385, dia de Aljubarrota.

Quando, vindos da Batalha por Alcobaça, na estrada do Porto a Lisboa, chegamos a 500 metros da capelinha de S. Jorge, acabamos de entrar no terreno em que evoluíram as forças portuguesas e tomaram as posições finais sobre que suportaram o embate castelhano.
A meio e cerca da capela actual se deu o choque entre os dois exércitos. Os Castelhanos orçavam por 30 000 contra 10 000 dos Portugueses, ou seja, a terça parte dos primeiros. Não faltou àqueles coragem e ímpeto no acometer. Perdeu-os o excesso de confiança em si próprios e o escasso conhecimento do terreno, tal como fora organizado.
Sem embargo de algum excesso na imagem, os Castelhanos combateram sobre a ponte levadiça dum castelo, tão estreita é a entrada da cumeada "Cumeira", em frente de S. Jorge, e tão defendida a posição pelas escarpas laterais, as obras de palanque, as fossas e abatizes - defesas tácticas, improvisadas à última hora e febrilmente construídas no próprio dia da batalha. 
O resultado é sabido. Numa rápida meia hora de combate a vanguarda castelhana quebrou-se e desfez-se contra as defesas, as armas e a bravura tenaz dos Portugueses.
A Nuno Álvares Pereira se deve a escolha do campo da batalha: a "Cumeira de Aljubarrota", verdadeiro fundamento táctico da vitória.

Jaime Cortesão