domingo, 18 de setembro de 2022

Um dia muito atarefado


Corre, foge e acelera

Cai, levanta-se, continua

A empurrar no carrinho

O seu adorado “bebé”.


 Mas...começa a travar

Chama, grita ãm ÃÃM

Aponta ÃÃÃÃUUMM

Ainda nos falta apertar

O cinto do seu "bebé"!

“Tudo bem” pensamos

O quê? Mudou de ideias

E tudo volta ao princípio

Mais… uma… vez…

 

Agora a “Mimi” (Minnie)

Está com um babete

Que pede para tirar

E a seguir colocar

Indefinidamente.

 

- Anda mudar a fralda!

Então dá meia volta

Corre, foge e acelera

- Anda cá, apanhei-te!

Quer o creme, aponta

Pede ÃÃÃMMMM

Esperneia, rebola,

Consegue alcançá-lo

E começa a comê-lo.

- NÃO, NÃO, isso NÃO!

Ela olha-nos a sorrir

A gozar(?) muito doce,

Só para experimentar

Até onde a deixam ir.

 

Agora vai para a cama

Aceita sem protestar

É um anjinho a dormir

Vó, VÓÓÓ… Está a chamar

Acordou? Já? Chatice!

Hoje dormiu tão pouco…

 

São dias muito intensos

Sem parar num frenesim

O segredo? A confiança

Que deposito nela…

E ela… em mim!


HN 
Abr./Maio 2022


sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Tavira 1944

 As mulheres sentavam-se à porta da noite
as mais novas riam
os dentes eram a sua coroa
ou tremiam ao pressentir os passos dos soldados
as crianças riscavam a cal com os seus gritos
cresciam para a morte com grandes olhos claros

ou ramos cegos

Eugénio de Andrade



Postais Antigos de Tavira







Notas sobre Tavira




Cheguei finalmente à vila da minha infância.
Desci do comboio, recordei-me, olhei, vi, comparei.

(Tudo isto levou o espaço de tempo de um olhar cansado).

Tudo é velho onde fui novo.

Desde já — outras lojas, e outras frontarias de pinturas nos mesmos prédios —

Um automóvel que nunca vi (não os havia antes)

Estagna amarelo escuro ante uma porta entreaberta.

Tudo é velho onde fui novo.

Sim, porque até o mais novo que eu é ser velho o resto.

A casa que pintaram de novo é mais velha porque a pintaram de novo.

Paro diante da paisagem, e o que vejo sou eu.

Outrora aqui antevi-me esplendoroso aos 40 anos — Senhor do mundo —

É aos 41 que desembarco do comboio [indolentão?].

O que conquistei? Nada.

Nada, aliás, tenho a valer conquistado.

Trago o meu tédio e a minha falência fisicamente no pesar-me mais a mala...

De repente avanço seguro, resolutamente.

Passou roda a minha hesitação

Esta vila da minha infância é afinal uma cidade estrangeira.

(Estou à vontade, como sempre, perante o estranho, o que me não é nada)

Sou forasteiro tourist, transeunte.

E claro: é isso que sou.

Até em mim, meu Deus, até em mim.


Álvaro de Campos

"Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890..." - Fernando Pessoa

https://www.youtube.com/watch?v=brqC48rNrpI

Tavira de ontem e hoje

Tavira Agosto de 1922

Muros muito brancos, de porta e janela, alguns com gelosias, que é a velha e a melhor maneira de manter as casas sempre frescas. A reixa deixa passar o ar e conserva a meia luz: dá intimidade aos interiores. Nas ruas não passa ninguém. Casas apalaçadas, tumulares.Telhados mouriscos, pontiagudos, de quatro águas, muito caiados, e as chaminés do sul, que lembram reduções de minaretes. Há-as rendilhadas; há-as com filigranas e flores. Outras mais pobres e mais simples, mas sempre aspirando para o céu de Alá. Entre elas e a Geralda a diferença é apenas de tamanho. Brancas, esguias, delicadas, com um pouco de imaginação povoa-se Tavira de torres onde o árabe faz a oração da manhã e da tarde. A alma do moiro está viva. Subjugada, persiste e sonha. Aspira. Perseguida, obstina-se. E para viver faz-se pequenina e contenta-se em deitar fumo...
Tavira é uma terra fechada, concentrada,de gente rica que arrecada o dinheiro do figo, da amêndoa e da alfarroba. Cada fruto destas árvores é um pingo de oiro. Que saudades eu tenho nesta terra neurasténica, da fedorenta Olhão! De Olhão, até o mau cheiro me cheira agora bem...E como compreendo a mudança de fisionomia dos homens e das coisas.. Tavira é uma terra de montanheiros, Olhão é uma terra de pescadores. O pescador é comunista e alegre, o montanheiro desconfiado e triste. No mar não há marcos...

Raul Brandão



Tavira Agosto de 2022





















Lendas de Tavira

Todos nós olhamos para o Algarve como sinónimo de sol, praia, mar e verão…mas Tavira é muito mais do que verão, é uma cidade encantada de arte e história.
A sua história perde-se no tempo, é uma cidade de recantos e encantos, atravessada pelo Rio Séqua e Gilão, que também tem histórias e lendas para contar. 

Diz a lenda que o cavaleiro Gilão e a princesa Séqua de facções militares opostas, apaixonaram-se e os seus encontros secretos eram de madrugada na ponte antiga. Numa madrugada, foram surpreendidos pela facção militar cristã e pela facção militar moura. Como sabiam que seriam acusados de traição, o que os levaria à morte, resolveram antecipar o sofrimento. Cada um atirou-se para um dos lados da ponte caindo os dois ao rio. Daí se explica porque um dos lados da ponte o rio de Tavira chama-se Rio Séqua e do outro lado da ponte o rio chama-se Rio Gilão…




Lenda da moura encantada

Ainda hoje a vigília de São João, é muito festejada em Tavira e quando o relógio da cidade bate meia-noite, ninguém deixa de lembrar-se da Moura encantada que vai surgir dos muros do Castelo de Santa Maria. No tempo em que D. Paio Peres Correia tomou posse do Castelo de Tavira, era seu principal senhor, como já dissemos, Aben Fabilla, e muitos sustentam embora a lenda nada afirme, que a Moura do Castelo era filha deste Senhor e quando D. Paio invadiu Tavira para a conquista por vingança dos sete cavaleiros Aben Tabilla encantou sua filha para que os soldados não abusassem dela esperando mais tarde entrar vitorioso na Vila. E não eram infundados estas esperanças porque a história nos ensina que diversas vilas algarvias entravam e saíam da Coroa Portuguesa por diversas vezes nesse tempo. E assim formando a Lenda de que a Moura era filha do Rei de Tavira, vamos transcrever do Romanceiro do Estácio da Veiga a Lenda em verso.

Estácio da Veiga (1828-1891)