domingo, 31 de março de 2024

As mulheres da seca do bacalhau

 



A seca do bacalhau na Gafanha emprega muitas centenas de mulheres, durante parte do ano, havendo secas onde o trabalho é permanente, porque abrange duas campanhas, a dos lugres e a dos arrastões.

Na referência a esta actividade feminina focaremos em especial a Gafanha, visto ser ali que ela atinge o maior desenvolvimento, como é também ali que existem as mais importantes secas do bacalhau de todo o País.

Pelos costumes e ambiente em que vivem e ainda porque tanto se entregam à lavoura como à faina da seca ou qualquer outra que se lhes proporcione, elas conservam, sob certos aspectos, a mentalidade da mulher do campo; mas a disciplina das tarefas realizadas em comum ou distribuídas numa coordenação de actividades, o sentido das responsabilidade, os horários fixos e ainda o contacto com outras realidades directamente ligadas ao seu próprio esforço vão-lhes dando uma noção diferente da vida e criando consciência da importância do seu labor.

Não se imagine, porém, que as mulheres do povo, naquelas circunstâncias, têm uma vida mais leve e fácil, em relação às suas irmãs que permanecem em contacto permanente com a terra. Com muito poucas excepções, elas fazem longos percursos, de manhã e à tarde, porque moram longe do local onde trabalham. Também, de uma forma geral, todas aproveitam algumas horas que lhes fiquem livres para ajudar na modesta faina agrícola da família, seja regar o milho, ir ao mato e à lenha ou tratar dos animais.

A sua vantagem não está no aligeiramento das tarefas, mas sim na mudança do ambiente, na variedade dos assuntos que lhes prendem a atenção e no convívio com as companheiras.

As mulheres das secas do bacalhau são desembaraçadas, faladoras e alegres, como se a vida lhes não pesasse. Em conjunto, nas horas de plena actividade, cantando em coro ou simplesmente escutando os programas de rádio, que um amplificador de som leva a todos os recantos das instalações onde trabalham [EPA – Empresa de Pesca de Aveiro], elas constituem um quadro pleno de vitalidade e optimismo.

É árduo o trabalho destas mulheres, desde descarregar, lavar, salgar e levar o bacalhau, todos os dias, para as “mesas” da seca, para depois, mais tarde, empilhar, seleccionar e enfardar. Nenhuma tarefa as faz recuar. São, quase todas, mulheres de pescadores de bacalhau ou de operários, e elas próprias trabalham no que se lhes proporciona, quando não é preciso sachar o milho ou colher a batata, muito abundante ali. A sua existência passa-se em permanentes fadigas e sobressaltos. Usam uma linguagem desabrida, que chega a ser chocante, porque se habituaram a encarar a vida e as pessoas de forma hostil, à força de lutar e sofrer de muitos modos. Tudo se resume, porém, a um desabafo, tão natural, para elas, como respirar, rir ou falar. Bravas mulheres, as da Gafanha!

 

Maria Lamas,  in "As mulheres do meu país"  (texto com supressões)

https://vimeo.com/271322795



sábado, 9 de março de 2024

Carolina Beatriz Ângelo

Carolina Beatriz Ângelo

Carolina Beatriz Ângelo (à direita) com  Ana de Castro Osório, em São Jorge de Arroios onde votou



Carolina Beatriz Ângelo (Guarda, São Vicente, 16 de abril de 1878 — Lisboa, 3 de outubro de 1911) foi uma médica e feminista portuguesa. Ficou famosa por ter sido a primeira mulher cirurgiã e a primeira mulher a votar em Portugal, por ocasião das eleições da Assembleia Constituinte, em 1911.

O facto de ser viúva e de sustentar a sua filha Maria Emília Ângelo Barreto (1903-1981), permitiu-lhe invocar em tribunal o direito de ser considerada «chefe de família», tornando-se assim a primeira mulher a votar no país, nas eleições constituintes, a 28 de maio de 1911. Por forma a evitar que tal exemplo pudesse ser repetido, a lei do código eleitoral português foi alterada no ano seguinte, com a especificação de que apenas os chefes de família do sexo masculino poderiam exercer o seu direito de voto.

A sua militância em organizações defensoras dos direitos das mulheres iniciou-se em 1906 no comité português da agremiação francesa La Paix et le Désarmement par les Femmes,  seguindo-se em 1907, a sua participação no Grupo Português de Estudos Feministas, conduzido por Ana de Castro Osório, e na Maçonaria, na Loja Humanidade, sob o nome simbólico de Lígia.

Em 1909, fez parte do grupo de mulheres que fundou a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (LRMP), defensora dos ideais republicanos, do sufrágio feminino, do direito ao divórcio, da instrução das crianças e de direitos e deveres igualitários para homens e mulheres

A 5 de outubro de 1910, dá-se a Implantação da República, tendo Carolina Beatriz Ângelo e Adelaide Cabete sido as responsáveis pela confecção secreta das bandeiras vermelhas e verdes, simbolizando a bem sucedida revolução. 

Logo após, esteve envolvida na fundação da Associação de Propaganda Feminista (APF). Esta associação, que chegou a dirigir, teve origem na cisão da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas por questões relacionadas com o sufrágio feminino. No âmbito da Associação de Propaganda Feminista projectou a criação de uma escola de enfermeiras, o que é referido como mais uma manifestação da sua preocupação com a emancipação das mulher. 

Experiências e Evidências

Nancy Roman fotografada em 2017 com a figura de Lego criada em sua homenagem

Nancy Grace Roman (1925-2018) é considerada a mãe do telescópio espacial Hubble.
O Hubble foi o primeiro telescópio óptico de grande escala em órbita no espaço. Nancy teve um papel essencial sobretudo no início do projeto, e como cientista-chefe da empreitada, coordenou os trabalhos dos astrónomos e engenheiros espaciais envolvidos.
O Hubble entrou em órbita em abril de 1990, e nos anos seguintes expandiu massivamente o conhecimento que nós, humanos, temos do Universo. Conforme explica artigo do NY Times, o Hubble “aumentou a compreensão acerca de galáxias distantes e de planetas do nosso próprio sistema solar ao transmitir imagens que chegariam distorcidas caso houvessem sido obtidas através de equipamentos operados na atmosfera terrestre”.




EXPERIÊNCIAS E EVIDÊNCIAS

Quando eu era menina,

fazíamos na escola uma experiência

com dois ímanes

e uma folha de papel

 

Era uma dança estranha

e fascinante,

a do íman pousado no papel

obedecendo ao outro, o encoberto,

um hércules de força

misteriosa

 

Durante muito tempo

acreditei

que o magnetismo era uma coisa

de homens sábios, aquele papagaio

de Benjamin Franklin ficou-me na memória:

o papagaio voando,

e de entre as nuvens, o relâmpago

e a promessa de aprisionar a luz

 

Eu não sabia então que só há poucos anos

pôde a primeira mulher

usar um telescópio de excelência,

provar a existência da matéria negra

na beleza do movimento angular

das galáxias

 

O interior da História

repelido por séculos,

o corpo em negativo de tantas antes dela:

um grão de areia

de encontro ao negativo do deserto

– durante tantos séculos

 

E contudo, moveram-se,

uma dança de carga positiva voando

no papel, como invisível é a maior parte

da matéria, mas existe

 

(Está mais do que

provado)


Ana Luísa Amaral