domingo, 27 de maio de 2012

Como foi conquistada Bagdad


Bagdad é uma vasta cidade onde vivia o Califa de todos os sarracenos do mundo, da mesma maneira que em Roma vive o Papa de todos os cristãos. É atravessada por um rio muito grande, pelo qual se pode ir até ao Mar da Índia e, por conseguinte, por aí vão e vêm os mercadores e as suas mercadorias. Entre Bagdad e Chisi, sobre o rio, há uma outra cidade, Bassorá: nos bosques que a circundam nascem as melhores tâmaras do mundo. Em Bagdad trabalham-se muitas qualidades de tecidos de seda e de ouro, figurados com motivos de animais e pássaros. É a cidade mais nobre e maior daquela província.
O Califa encontrou o maior tesouro de ouro, prata e de pedras preciosas que alguma vez foi encontrado. É verdade que no ano de 1265 depois de Cristo, Alau, o Grande Senhor dos Tártaros, irmão do senhor que hoje reina, reuniu um grande exército e atacou Bagdad, tomando-a pela força. Foi um feito notável, pois em Bagdad havia mais de cem mil cavaleiros, sem contar os infantes. E quando Alau conquistou a cidade, encontrou no palácio do Califa uma torre cheia de ouro, prata e outras pedras preciosas, que jamais se tinham visto num só sítio. Quando Alau viu tal tesouro, ficou maravilhado, e mandou trazer à sua presença o Califa que estava preso e disse-lhe: "Califa, porque reuniste um tesouro tão grande? Quando soubeste que eu te atacaria, porque não recrutaste cavaleiros e mais gente para te defender a ti, à tua terra e à tua gente?" O Califa não lhe soube responder. Então Alau disse: "Califa, dado que gostas tanto do teu tesouro, quero dar-to como teu alimento." Mandou-o prender naquela torre e ordenou que não lhe fosse dado nada de comer nem de beber; e acrescentou: "Agora sacia-te com o teu tesouro." Viveu quatro dias e aí foi encontrado morto. Teria sido melhor que o Califa o tivesse dado aos seus homens para defender a sua terra. Nunca mais houve qualquer Califa naquela cidade.

sábado, 19 de maio de 2012

Retrato dos Poetas no Olimpo


AR
Ao centro, de pé, cabelo branco, está António Ramos Rosa.
Escuta as árvores, escreve sem parar.

ÁGUA
Um pouco mais abaixo, Sophia, vestes brancas, perfeita,
Olhos fixos no mar.

TERRA
Ao lado Eugénio de Andrade é todo Apolo, magnífico, sorridente,
Quase feliz.

FOGO
E também Herberto Helder, o feiticeiro da língua, austero,
Fica na fotografia.

Clic! Clic! Clic! Clic!

Torga não. Sempre em contra-corrente.
Profeta das vastas montanhas. E ponto final.

HN
http://www.youtube.com/watch?v=KokIgE_76Bc

domingo, 13 de maio de 2012

Bebido o luar

                               
                                Bebido o luar, ébrios de horizontes,
                                Julgamos que viver era abraçar
                                O rumor dos pinhais, o azul dos montes
                                E todos os jardins verdes do mar.

                                Mas solitários somos e passamos,
                                Não são nossos os frutos nem as flores,
                                O céu e o mar apagam-se exteriores
                                E tornam-se os fantasmas que sonhamos.

                                Porquê jardins que nós não colheremos,
                                Límpidos nas auroras a nascer,
                                Porquê o céu e o mar se não seremos
                                Nunca os deuses capazes de os viver.

Sophia de Mello Breyner Andresen

sábado, 5 de maio de 2012

Os gatos


Há um deus único e secreto
em cada gato inconcreto
governando um mundo efémero
onde estamos de passagem

Um deus que nos hospeda
nos seus vastos aposentos
de nervos, ausências, pressentimentos,
e de longe nos observa

Somos intrusos, bárbaros amigáveis,
e compassivo o deus
permite que o sirvamos
e a ilusão de que o tocamos