quarta-feira, 30 de julho de 2025

Noruega I


O poeta e escritor José Gomes Ferreira desempenhou o cargo de cônsul de Portugal na cidade de Kristiansund, na Noruega, entre 1926 e 1929. Neste país, onde se vivia em democracia  desde 1905, a sociedade encontrava-se social e culturalmente muito avançada. José Gomes Ferreira integrou-se bem e fez amigos.
Infelizmente, durante a II Guerra Mundial, a invasão da Noruega pelas tropas nazis provocaria uma enorme devastação a todos os níveis.
No pós guerra, o lucro obtido com a exploração do petróleo permitiu à Noruega recuperar rapidamente investindo nas pessoas e no  desenvolvimento do país. A qualidade de vida dos noruegueses  é considerada excelente. 
No entanto, conscientes de que o mundo está a mudar, começaram a explorar novos recursos e  a tomar as medidas necessárias para continuarem a olhar com confiança para  futuro.



RESUMINDO
(...) lancei-me à vida com a sofreguidão de quem ia morrer amanhã. Percorri mundo, esbanjei desejos, cuspo no mar do Norte, lobriguei paisagens lunares inverosímeis que, de súbito, se despenhavam nas falésias a pino, por onde pendiam fios de gelo longos que, mais abaixo, acordavam em correntes de água viva a caírem em cachão no mar azul-violeta dos fiordes...
Viajei de trenó, ouvi línguas estranhas, carimbei montes de documentos, odiei, amei, sofri e, por fim, já farto da mesma lua em vários céus, regressei de novo à pátria e a este andarmos todos para aqui a dizer que tudo é uma chatice (e é verdade!).

                                                                              José Gomes Ferreira



PAISAGENS







Cruzeiro pelo Fiorde dos Sonhos



De novo em terra



Passeio de comboio- o Flamsbana




A caminho do glaciar Briksdal, no Parque Nacional de Jotedalsbreen








Glaciar








Jon Foss (1959) recebeu o Prémio Nobel de Literatura em 2023.
No seu romance "Casa de Barcos" a personagem e narrador principal é um jovem adulto, bastante solitário, que mora com a mãe, à beira de um fiorde. Segundo conta, resolveu escrever para manter afastada a sua inquietação, com origem nos acontecimentos que relata, de forma algo desordenada e repetitiva.
Um dia, Knut, o seu maior amigo de infância do qual, desde que partira há dez anos atrás, nunca tivera notícias, decide vir passar as férias de Verão, à sua terra natal com a família. Quando se dá o reencontro entre os dois, ambos se sentem bastante embaraçados, mas Knut, que entretanto casara, apresenta-lhe a mulher. O olhar dela impressiona-o desde o primeiro momento. A partir daí, uma série de "coincidências" activam recordações e ressentimentos e apodera-se dele um estado de crescente e insuportável inquietação. Pressente-se que algo de trágico está para acontecer. 
É por isso que, na  esperança de conseguir afastar a sua inquietação, passa os dias no quarto, no sótão, sentado a escrever.
Deixou totalmente de sair de casa.



                                                                               

















sábado, 28 de junho de 2025

Castelo Branco

Em  Castelo Branco todos os caminhos vão dar ao jardim do Paço Episcopal. O viajante pode, portanto, sem qualquer risco, demorar-se e perder-se por outros lugares, ir, por exemplo, ao castelo, que é uma escassa ruína, e ter aí o primeiro desgosto: está fechada, cercada e vedada a Igreja de Santa Maria, onde jaz o poeta João Ruiz de Castelo Branco. Queria o viajante, que tem muito destas fraquezas sentimentais, dizer à beira da pedra tumular aqueles maravilhosos versos que desde o séc. XVI têm vindo soando e de cada vez exprimindo, indiferentes ao tempo, a grande mágoa da separação amorosa: Senhora, partem tão tristes/ Meus olhos, por vós, meu bem,/ Que nunca tão tristes vistes/ Outros nenhuns por ninguém...
Aos poucos vai-se aproximando do jardim do Paço. Está ali o cruzeiro de S. João, pedra rendilhada, vazada como uma filigrana, onde, por mais que se procure, não se encontrará uma superfície lisa. É o triunfo da curva, do enrolamento, da eflorescência. 
O viajante passa ao lado do jardim, mas ainda não entrará. Vai primeiro ao museu(...)
O viajante entrou pelo rés-do-chão, sai pela escadaria do primeiro andar, que faz por descer o mais episcospalmente possível. E agora, sim, vai ao jardim passear. 
Não sabe o viajante se no mundo existe outro jardim assim. Se existe, copiámos bem; se é este o único, devia como tal ser louvado. Um único senão nele encontra: não é jardim para descansar, para ler um livro, quem entra tem de saber isso mesmo. Quando os antigos bispos aqui vinham, certamente trariam os fâmulos a cadeirinha para o repouso e a oração, apertando a respectiva necessidade, mas o visitante comum entra, dá todas as voltas que quiser, pelo tempo que quiser, mas sentar-se só no chão ou nos degraus do escadórios. Estas estátuas são magníficas, não pelo valor artístico, certamente discutível, mas pela ingenuidade da representação transmitida por um vocabulário plástico erudito. Aqui estão os reis de Portugal, todos reis de baralho que lembram o reizinho de Salzedas, e aqui está a patriótica desforra que consistiu em representar os reis espanhóis em escala reduzida: não podendo ser ignorados, apoucaram-se. E agora temos as estátuas simbólicas: a Fé, a Caridade, a Esperança, a Primavera e as outras estações, e aqui, neste canto, obrigada a virar-se para a parede, a Morte.

José Saramago

Cruzeiro de S. João

No jardim do Paço Episcopal

Estátuas de santos no jardim do Paço Episcopal

Estátuas dos reis de Portugal no jardim do Paço Episcopal

Um dos painéis de azulejos do jardim do Paço Episcopal

Vista do jardim

Muralhas do castelo 

A cidade vista a partir do castelo

Passeio nas muralhas

Muralhas 

Igreja de Santa Maria

Pôr-do-sol em Castelo Branco

quarta-feira, 25 de junho de 2025

Idanha-a-Velha

Idanha-a-Velha é um museu a céu aberto, um dos sítios arqueológicos mais importantes da Península Ibérica, com projectos de investigação ligados a diversas instituições universitárias portuguesas e espanholas.
Encontramos muitos vestígios da presença dos romanos que aqui edificaram uma cidade, Civitas Igaeditanorum, no séc. I, mas também dos outros povos que posteriormente a habitaram.
No séc. VI, a cidade foi tomada por visigodos e suevos que então a baptizaram de Egitânia e a elevaram a sede episcopal, tornando-a um importante centro urbano. No séc.VIII foi invadida pelos árabes e a seguir reconquistada pelo rei de Leão.
Quando Portugal se tornou país, D. Afonso Henriques entregou-a à Ordem do Templo (Templários) para o seu repovoamento. Em 1319, D.Dinis, com a extinção dos Templários, incluiu-a na Ordem de Cristo, mas Idanha-a-Velha que tivera um importância equivalente a Mérida, entrou em decadência e deixou de ser freguesia no início do séc. XIX.

Torre dos Templários

Sé Catedral e ruínas romanas à esquerda

Frescos no interior da Sé Catedral

A Sé Catedral (séc.IV) foi sendo adaptada ao culto 
religioso dos vários povos que por aqui passaram

Pelourinho manuelino

Igreja Matriz (séc. XVIII)

Casa que ostenta a cruz da Ordem dos Templários 

Muralhas romanas

Ponte de origem romana sobre o rio Pônsul




Actuação dos SETE LÁGRIMAS na catedral de Idanha-a-Velha:

https://www.youtube.com/watch?v=4lMEGYijCLw


domingo, 22 de junho de 2025

Raia mágica

Existe uma linha mágica que percorre o interior do território português constituída por serras, penedos mágicos, águas santas, bosques de carvalhos e tradições vivas que dão um vigor mágico, um "outro mundo", completamente desconhecido do homem das sociedades modernas. Esse território interior que passa pelas terras mágicas das Idanhas na Beira Baixa, perto da fronteira, é a raia mágica.
Paulo Louçã cita as declarações de  um camponês destas terras de que muita coisa é de "antes do Dilúvio" e que a terra é purificada ciclicamente pelo fogo e pela água. É o tempo mítico das origens que emana das pedras sagradas.
A antropóloga Maria Adelaide N. Salvado  refere  que "(...)a forte luminosidade do seu céu, os longos e vermelhos crepúsculos do entardecer de estio nos seus largos e solitários horizontes, como que nos transportam ao começo dos tempos despertando, no mais recôndito de cada um de nós, uma paz e um profundo e vivíssimo sentimento de ligação e de adoração à natureza" 
Se percorrermos o trilho da aldeia de Monsanto até ao sopé do monte, encontramos a ermida românica de S. Pedro de-Vir-a-Corça que fica num local totalmente isolado, rodeada de sobreiros e de grandes pedregulhos. A capela em si, bem como todos os outros vestígios do seu passado, são absolutamente impressionantes e únicos. Sentimo-nos invadidos pelo espírito do lugar, o genius loci. Aqui respira-se Sagrado.









A Capela de S. Pedro de-Vir-a-Corça

Esta capela está ligada à lenda de um ermitão chamado Amador. 
Um dia, vendo-se uma matrona aflita com dores de parto, no seu desespero rogou que a criança mal nascesse,  fosse levada, por todos os demónios, pelos ares. Assim aconteceu no meio de um estrondo enorme.
O ermitão Amador, que ali vivia, apercebendo-se do que estava a acontecer, pediu a S. Pedro que lhe entregasse a criança e a libertasse do poder infernal. Foi atendido o santo homem, que começou então a preocupar-se, sem saber como havia de alimentar o menino. Como por milagre surgiu uma corça que passou a sustentar a criança com o seu leite, quatro vezes por dia. O menino cresceu, tendo-se feito anacoreta como o seu protector e foi o fiel companheiro do ermitão até à sua morte. Terá sido sepultado sob o altar da capela, bem com mais tarde o seu protegido.
O lugar tornou-se depois local de romagem. A festa de Santo Amador tinha lugar no dia 27 de Março. Era venerado por toda a Beira e procurado para a cura de maleitas, bastando para tal trazer terra da sua sepultura ao pescoço
Esta capela é conhecida por S. Pedro de-Vir-a-Corça, mas ao longo dos tempos o seu nome poderá ter passado de Vila para Vira e daí Vir, a forma actual.
 
Maria Manuela de Campos Milheiro