domingo, 2 de junho de 2024
Saramago no Porto
terça-feira, 28 de maio de 2024
O Porto de Sophia
Nasci no Porto. A cidade, os seus arredores, as praias próximas, descendo para o Sul, permanecem para mim a pátria dentro da pátria, a Terra materna, o lugar primordial que me funda.
Ali estão as tílias enormes, as manhãs de nevoeiro, as
praias saturadas de maresia, os rochedos cobertos de algas e anémonas, as
Primaveras botticellianas, os plátanos, a cerejeira, as camélias.
Ali o rio, as casas em cascata, os barcos deslizando rente à
rua nas tardes cor de frio do Inverno.
Ali o cais, a Ribeira, os rostos, as vozes, os gritos, os
gestos.
Uma beleza funda, grave, rude e rouca. Escadas, arcadas,
ruelas abrindo para o labirinto do fundo do mar da cidade. E, aqui e além, um
rosto emergindo do fundo do mar da vida.
Porque ali é a cidade onde pela primeira vez encontrei os
rostos de silêncio e de paciência cuja interrogação permanece.
Porque ali é o lugar onde para mim começam todos os
maravilhamentos e todas as angústias.
Cidade onde sonhei as cidades distantes, cidade que habitei
e percorri na ilimitada disponibilidade interior da adolescência.
Descia pelo Campo Alegre, passava a Igreja de Lordelo,
seguia entre muros de jardins fechados.
Através das grades de ferro dos portões viam-se rododendros,
buxos, cameleiras.
Depois surgia um rio e ao longo do rio eu caminhava sobre os
cais de pedra, até à barra, até aos rochedos onde se espraiam as ondas.
Histórias de naufrágios, de barcos perdidos, de navios
encalhados. Por isso nas noites de temporal se rezava pelos pescadores.
Ouvia-se ao longe o tumulto do mar onde navegavam os pequenos barcos da Aguda
tentando chegar à praia. Quando a trovoada estava próxima, a luz apagava-se.
Então se acendiam velas e se rezava a Magnífica. […]
Porque nasci no Porto sei o nome das flores e das árvores e
não escapo a um certo bairrismo. Mas escapei ao provincianismo da capital.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Foto da casa Andresen
https://www.youtube.com/watch?v=Op2klbYYLIk
A velha e livre cidade do Porto
Nobre povo, és vencedor,
Generoso, ousado e livre,
Demos glória ao teu valor.
Refrão:
Eia avante, Portugueses!
Eia avante, não temer!
Pela santa Liberdade,
Triunfar ou perecer!
Algemada era a Nação,
Mas é livre ainda uma vez;
Ora, e sempre, é caro à Pátria
O heroísmo Português.
Lá raiou a Liberdade
Que a Nação há-de aditar!
Glória ao Minho que primeiro
O seu grito fez soar!
Segue, ó Povo, o belo exemplo
De tamanha heroicidade:
Nunca mais deixes tiranos
Ameaçar a Liberdade.
Fugi déspotas! Fugi,
Vis algozes da Nação!
Livre, a Pátria vos repulsa,
Terminou a escravidão!
segunda-feira, 27 de maio de 2024
No Porto - (1893)
domingo, 5 de maio de 2024
Fumo
A luz da manhã limpou as sombras da noite,
num gesto de vassoura, atenta e rápida.
Agora, tudo é suave e transparente, como
o frio seco que sacode os pássaros e as folhas.
Passo neste mundo natural que a manhã
me oferece; e só falta um fio de fumo
dessas cinzas em que o dia aquece as mãos,
enquanto o vento não sopra a apagá-las.
Dia e noite juntam-se nesse fumo
em que o céu respira; e a sua linha
desenha no ar uma frágil fronteira.
Para um lado, o espaço sem limites
em que tudo permanece; para aqui, o breve
sentimento do eterno, antes que o fumo se dissipe.
Nuno Júdice
https://www.youtube.com/watch?v=WRIbIIVzB5M&t=125s
terça-feira, 23 de abril de 2024
Jograis aos 50 anos do 25 de Abril
Maio de 68, Paris. Tudo começa com os estudantes
que ocupam as faculdades e as ruas de alguns bairros de Paris. Exigem a reforma
do ensino, contestam todo o tipo de preconceitos e autoritarismos. É o tempo do
“É proibido proibir”. Os trabalhadores aderem à revolta, o país paralisa. A França
treme.
Por cá, em 1969, os estudantes de Coimbra em greve resistiram
durante bastante tempo à chantagem e perseguição das autoridades que, através
da censura, controlavam toda a informação.
Apesar de algumas proibições, ouviam-se muito as baladas
e canções de intervenção. Por isso através delas podemos reviver todo o
processo do 25 de Abril.
“ O que faz
falta é agitar a malta/ o que faz falta…” cantava José Afonso.
Do exílio Manuel Alegre escreve e Adriano Correia
de Oliveira interpreta: “Pergunto ao
vento que passa /Notícias do meu país… Mesmo
na noite mais triste/Em tempo de servidão/Há sempre alguém que resiste/Há
sempre alguém que diz não.”
Vários cantores criticam
a guerra colonial cantando: “Menina dos
olhos tristes/o que tanto a faz chorar/o soldadinho não volta do outro lado do
mar.”
A PIDE perseguia,
prendia e muitas vezes torturava os opositores ao regime. A canção “Vampiros”
de José Afonso lembra essa realidade: “No
céu cinzento sob o astro mudo/ Batendo as asas pela noite calada/Vêm em bandos
com pés veludo/Chupar o sangue fresco da manada… Eles comem tudo/e não deixam
nada.”
Mas nunca se perdeu a esperança, diz o poema de António Gedeão e canta
Manuel Freire: “Eles não sabem nem sonham
/que o sonho comanda a vida…”
Em 1971, nos álbuns de José Mário Branco “Mudam-se os tempos, mudam-se
as vontades” e de Sérgio Godinho “ Sobreviventes” pressente-se a revolução.
Sérgio canta: ”Aprende a nadar
companheiro/que a maré se vai levantar/que a liberdade está a passar por aqui…”
E finalmente a revolução, o 25 de Abril de 1974:
“Esta é a madrugada que eu esperava/O dia inicial inteiro e limpo/Onde emergimos da noite e do silêncio/ E livres habitamos a substância do tempo” (Sophia de Mello Breyner Andresen)
Foi inesquecível. O povo saiu à rua para saudar a revolução ao som de
“Grândola Vila Morena”, de cravo na mão. “A poesia está na rua” lia-se num cartaz
de M. H. Vieira da Silva. Agora os portugueses já podem reunir-se e participar em
manifestações. “O povo unido jamais será
vencido” grita-se.
E todos cantávamos com Sérgio Godinho:
“Ai, só há
liberdade a sério/Quando houver/A paz, o pão/Habitação, saúde e educação…”
Pois… 50 anos depois esta canção continua actual!
HN
segunda-feira, 15 de abril de 2024
Em diálogo com "As mulheres do meu país"
Susana Moreira Marques
Pinturas de José Malhoa
https://www.youtube.com/watch?v=OL5sBSaT7P0