domingo, 15 de abril de 2012

Viajar no tempo


As pessoas dividem-se, grosso modo, entre aquelas cujo destino é envelhecer (a maior parte), as que serão sempre jovens e as que aos sete anos já tinham setenta e sete.
Picasso e Einstein, por exemplo, nunca passaram dos doze. Grandes criadores, aliás, costumam ser crianças. Olha-se para Júlio Pomar e é um menino - com o olhar deslumbrado de um menino. Já António Oliveira Salazar foi sempre um homem muito idoso - nem o consigo imaginar no corpo de uma criança, vejo um anão com cara de velho.
Um bom exercício para compreender em que grupo nos situamos, e sobretudo para combater a velhice, consiste precisamente em imaginar um diálogo entre quem fomos aos vinte e quem somos hoje, aos quarenta ou sessenta ou mais. Os primeiros dias do ano - um tempo de balanço e de projectos - são particularmente propícios para tais exercícios.
- Olá! Eu sou tu daqui a vinte anos, o que achas?
- Santo Deus! Não contes a ninguém que me conheceste!
Pois! São poucos os que passam a prova. Quanto a mim, há vinte e tantos anos olhei-me ao espelho, no quarto amplo de um hotel decadente, e vi-me como seria aos quarenta e poucos. Vi-me com tanta nitidez, com um tal detalhe e precisão, que cheguei aos quarenta sem assombro. Nunca mais regressei ao hotel em causa, porém, com receio de me ver aos sessenta e não gostar. Mas penso muito naquele espelho mágico.
Viajar no tempo, na verdade, viajamos todos e com uma incrível rapidez. O problema é que a estrada só tem um sentido. Viajamos em direcção ao futuro e ao inevitável desastre. O desafio consiste em fazer essa viagem sem deixar que o coração envelheça. Ter filhos pode ajudar. Um filho - seja criança ou adolescente - é uma espécie de âncora que nos agarra ao presente, impedindo-nos a deriva melancólica para o passado. Um filho leva-nos pela mão, como um pequeno cicerone, e dá-nos a ver o futuro: ali as maravilhas, acolá os monstros, e tanto os monstros quanto as maravilhas fazem parte do mesmo jogo - desafios a vencer com alegria.
Ninguém que tenha um filho adolescente - e que partilhe intensamente a sua vida com a dele - diz "no meu tempo". O tempo dele é aquela imensa onda que, com a ajuda do filho, se prepara para apanhar. Um filho é também uma segunda oportunidade para ser criança - e para algumas pessoas pode ser mesmo a primeira oportunidade.

José Eduardo Agualusa
http://www.youtube.com/watch?v=Besb25n3va0

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