domingo, 2 de dezembro de 2012

Colegas


Encontrar os colegas de curso, 16 ou 17 anos depois,  e ver como de comum temos o estarmos todos mais gordos e lembrarmo-nos embaraçadamente de quem éramos. O passado, embora deixando saudades, parece ser sempre uma vergonha qualquer, e viver é engordar.
Pensei logo que não devia ter aparecido com a roupa da tarde. Devia ter ido a casa, tomar um segundo banho, fazer outra vez a barba, vestir a camisa que comprei no estrangeiro, fazer de conta que visto sempre assim, casual, sem dar importância. Parecer ainda mais bonito. Devo ser o único mais bonito do que era aos 20 anos. Não por algum milagre. Apenas porque aos 20 anos eu assustava um morto. Tinha só ossos e cabelo despenteado, estio, azeiteiro. Era um bicharoco de olhos vesgos e grandes, atrás de óculos dourados com tamanho de pneus. Claro que hoje, charmoso, estou muito melhor. Isso é raro acontecer com as pessoas. Talvez apenas o engenheiro Álvaro, como eu, tenha ficado favorecido. Durante horas olhei e convenci-me de era uma presença muito avulsa no jantar, sem referência. No fim, caramba, a revelação. Muito estranho. Está mais novo. Deve comer com juízo e deve estar feliz.
Acho que procuramos os sinais da felicidade quando reencontramos alguém depois de uma longa separação. A possibilidade de ter corrido tanta coisa mal é muita, e a expectativa de saber se cada um de nós escapou à atrocidade é grande. Nunca escapamos inteiramente à atrocidade. Temos sempre as nossas mazelas que, num jantar assim, procuramos esconder com um segundo banho, a barba outra vez e a camisa do estrangeiro. Deve ser isso a que se chama festa, ou então pode ser mesmo uma borracha sobre o passado. Um banho e uma camisa para apagar o passado.
Há qualquer coisa nos tempos de escola que nos revela para sempre. Hoje, uns advogados, outros funcionários nem sei de quê, procuradores, juízes ou escritores, somos sempre um certo regresso à simplicidade de tempos idos, como se fosse impossível criar uma distância demasiada em relação à memória guardada. Serei sempre, creio, o cachopo melómano, meio rockeiro e embasbacado dos meus 20 anos. É um pouco como voltar a casa, estar em família. Fica-se a mesma criatura desmascarada do costume. Isso, sem dúvida, é o melhor.
Nunca voltaria a estudar Direito. Mas não me importaria de repetir os colegas. Sobretudo se pudermos contar com a lealdade de o empertigado da vida de hoje não nos retirar a cumplicidade da vida de então. Se isso se perder, prefiro não voltar a jantar assim. E não desperdiço sequer a minha camisa estrangeira.
 

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