domingo, 29 de setembro de 2013

António Ramos Rosa


Conversa pós-prandial com o Ramos Rosa num café. Que personagem este grande poeta. Claude Roy disse dele, salvo erro, que lembrava um Quixote surrado. Enganou-se de mundo, anda aqui por se ter distraído. Porque ele nasceu para viver noutro lado onde não haja regras de trânsito, de disciplina, de subsistência. De modo que faz um esforço enorme para se acomodar. Um grande achado para ele foram as práticas do ioga ou coisa que o valha. O mundo em que circula desarranja-lhe os mecanismos interiores. E toda a sua preocupação é consertá-los. Mas ele a compor e a realidade a estragar. Quando julga que venceu, fica radiante. Dias depois volta à oficina com o psíquico esmurrado. Não chegará nunca a tirar carta de condução no mundo. Hoje trazia outra descoberta: mastigar interminavelmente um pedaço de alimento até sentir vómitos. Isso lhe afinaria o sabor para recuperar um paladar originário. E ria. Estava feliz. Nós alimentamo-nos tão estupidamente, com um paladar tão encortiçado. Ele quer restaurar cá o sabor que deve haver talvez do lado de lá. Encantado com a descoberta. E eu com o encantamento dele. Adorável poeta. Extraordinário poeta.

Vergílio Ferreira
http://www.youtube.com/watch?v=xk3KMv7F-N0

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