segunda-feira, 17 de setembro de 2018

A Selva


A subida lenta, quinze dias bem puxados, de Belém ao Paraíso, impacientava Alberto, moroso em adaptar-se ao meio. 
O "Justo Chermont" ora enfiava pelos estreitos "paranás", tão ocultos nas margens que o barco dir-se-ia penetrar na própria floresta, ora despachava para o céu os rolos do seu  fumo em pleno centro do rio. E então, se os olhos se dirigiam para a frente, a saída tornava-se tão misteriosa como o fora a entrada - tudo selva, selva por toda a parte, fechando o horizonte na primeira curva do monstro líquido (...)
Muitas vezes, numa só hora, tornava-se necessário andar da margem direita para a esquerda, no centro do rio ou juntinho à terra, porque o canal tinha caprichos de serpente e era versátil como uma mulher. Onde, há um ano, a sonda marcava profundidade para a maior quilha do Mundo, já hoje se erguia uma praia, esplêndida para a desova das tartarugas no Estio. A terra inconsistente, que se greta nos barrancos, parte e cai aos milhares de toneladas, abalando a solidão com o pavoroso rumor do seu mergulho, cria todos os dias novos obstáculos à marcha dos navios. Mas nem isso, nem os grossos troncos desprendidos das margens nativas, que flutuam na corrente e amolgam ou furam as proas descuidosas, perturbavam os pilotos do Amazonas, subtis na previsão das dificuldades e com memória de prodígio (...)
Nem sempre se divisava a outra margem e, se surgia, era um simples pespontado negro, na linha do horizonte. Nas árvores mortas que arrastava, preguiçosamente, pousavam belas pernaltas, algumas adormecidas sobre uma só perna e o bico longo semioculto no colo; outras, de longas asas abertas, ensaiando um voo que nunca tinha início - um voo que era como uma saudação litúrgica ao Sol radioso dos trópicos.

Ferreira de Castro
(pintura de Manuel Lapa)
https://www.cm-oaz.pt/cultura.353/casa_museu_ferreira_de_castro.1499/casa_-_museu_ferreira_de_castro.a4142.html

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