quarta-feira, 12 de junho de 2019

A Mãe


Há uma cena num filme de Manoel Oliveira, o Vale de Abraão, em que um desconhecido, num restaurante, lhe oferece um prato de figos. Foi assim que meu pai abordou a jovem Laura, que estava vestida de preto, não por luto mas por promessa. Casaram e não tiveram muitos meninos. Fui só eu e o meu irmão José Artur. Meu pai julgou que a jovem Laura do hotel de Entre-os-Rios era viúva. Como Byron, não gostava de meninas em flor, provavelmente porque são cheias de surpresas, nem sempre boas surpresas. 
Minha mãe teve lições de piano com Óscar da Silva, que era um grande intérprete e um mau professor. Para se resgatar dum emprego sem imaginação, constava que seduzia as alunas, o que lhe acabou com a confiança das famílias. Assim, minha mãe ficou sem mestre e suspendeu as escalas e os solfejos. Bordava muito bem e lia pouco. Sempre vi nas mãos dela (que as tinha bonitas) A Imitação de Cristo. Não era particularmente religiosa, mas gostava dos ritos de Maio, das novenas em casa com flores e velas acesas. Amava o meu irmão com uma expectativa que as mães têm ainda hoje pelos filhos varões.
Amava-me mas sem demonstrações, a educação passava pela disciplina das emoções. Eu pensava que minha mãe não era uma pessoa justa: faltava-lhe a independência que faz a alma imortal. Achou sempre, e meu pai também, que o meu talento era devido a meu irmão e que eu o usurpara, como Jacob a Isaú.

Agustina Bessa-Luís 
(pintura de Paula Rego)

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