domingo, 15 de janeiro de 2023

A guerra


Musa, pois cuidas que é sal

o fel de autores perversos,

e o mundo levas a mal,

porque leste quatro versos

de Horácio e de Juvenal.


Se tu de ferir não cessas,

que serve ser bom o intento?

Mais carapuças não teças;

que importa dá-las ao vento,

se podem achar cabeças?

  

Que tens tu que ornada história

diga que peitos ferinos,

em sanguinosa vitória,

inumanos, assassinos,

são do mundo a honra e a glória?

 

Sem causa, entre dentes trazes

a grande arte das batalhas;

murmuras de seus sequazes;

e, quando da guerra ralhas,

outra com a língua fazes.

 

Dizes que uma guerra acesa

é teatro de impiedade;

chamas-lhe crua fereza,

flagelo da Humanidade,

triste horror da natureza.

 

Pintas um bravo guerreiro,

e a meus olhos vens mostrá-lo,

para ferir mais ligeiro,

metendo o ardente cavalo

sobre o exangue companheiro.

 

A um lado e a outro lado

a morte mandando vai

co sanguinoso traçado,

até que ele mesmo cai

de um pelouro atravessado.

 

Co’as cabeças abatidas,

vão de ferro vil marcados,

maldizendo as tristes vidas,

mil cativos manietados,

vertendo sangue as feridas.

 

Entre horrorosos troféus,

o general desumano

manda falso incenso aos céus,

e de espalhar sangue humano

vai dando louvor a Deus.

 

Nicolau Tolentino (texto com supressões)

Pintura de Graça Morais

https://www.youtube.com/watch?v=VE03Lqm3nbI

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