LEITORA
Confesso o vício de ler
afago
cada palavra
Bebo o feitiço das histórias
cada rosa cada asa
por onde a busca se enlaça
ou na ternura descalça
onde a caneta sutura
Tomo o corpo da leitura
enredo-me no seu abraço
ora vestida ora nua
Ao longo deste prazer
não há nada que eu não faça
em entrega e em devassa
Indo mais longe no ler
encontro o cisne e a rola
na tocaia do prazer
Tenho a paixão da leitura
teima na escrita do perigo
e estremeço de prazer ao entreabrir um livro
Corro as mãos nas suas espáduas
desnudo frases de feltro
afloro as suas pálpebras
Entrelaço as consoantes
com as vogais e o enredo
diante das fantasias no sobressalto do medo
Descubro escusas passagens
pelas cisternas dos livros
ao desfolhar suas páginas
Na entrega e no sustido
nas lágrimas e no sorriso
entre o ardil e o tigre
Ora cumprindo
a harmonia
ora querendo a transgressão
Sou uma leitora voraz
tenho um trato com a audácia
e outro com o perdimento (...)
Deleito-me com a poesia
endoideço com o romance
esquivamento das mulheres
com a sua escrita de leite
de linho e alquimia
de aço rumorejante
Encontro a rima cismada
dobo a palavra a vapor
na teima de quem porfia
Vou em busca do fulgor
corro atrás da literatura
dos textos e da leitura
Sou dependente dos livros
sem eles posso morrer
perco-me de tão perdida se proibida de ler
DIAS DE SABOR
Dias de sabor dias dividendos
mordidos se bem
não julgue cedida
eu vi
o que custa estar morta
por dentro
se bem que acredite que os outros
nos fitem
distância tão grande
que não tenho dedos
que cresçam
que cresçam
para lhes tocar
que vençam
e rasguem
aquilo que prendem
o sítio onde os outros
estão a vigiar.
Maria Teresa Horta
Auto-retrato de Aurélia de Souza
Menez
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