domingo, 3 de abril de 2022

Real Mosteiro da Batalha






Este mosteiro está situado numa pequena vila, chamada Batalha, na província da Estremadura, a sessenta milhas de Lisboa. Foi fundado por D. João I, rei de Portugal, no final do séc. XIV, para memorar a vitória sobre as numerosas forças de Castela, na grande Batalha de Aljubarrota.
A arquitectura é do estilo chamado Gótico Normando Moderno e pode este mosteiro ser justamente considerado como um dos mais perfeitos e belos espécimes desse estilo.
No corpo da igreja não notámos quaisquer esculturas banais ou supérfluas, de que habitualmente estão recheados os edifícios góticos. Foram empregados nele alguns ornamentos, mas dispostos sóbria e judiciosamente, particularmente no interior, que é notável pela nobre e casta simplicidade. O efeito geral é grandioso e sublime, o que resulta do mérito intrínseco do desenho e não de embelezamentos arbitrários.




Entrada principal
O portal, que tem 28 pés de largo e por 57 de altura, é embelezado por mais de cem figuras em alto-relevo, representando Moisés e os profetas, santos e anjos, apóstolos, reis, papas, bispos e mártires, com as suas respectivas insígnias. Cada figura está colocada num pedestal ornamentado, sob um baldaquino delicadamente trabalhado. Estão separadas, entre si, por molduras que terminam em arcos pontiagudos.
Por baixo do vértice do arco inferior está sentada num trono uma figura com resplendor, sustentando na mão esquerda um globo erguendo-se à direita num gesto d benção. Esta figura representa o nosso Salvador, ditando a lei aos quatro Apóstolos que o cercam, com as respectivas insígnias.

James Murphy, 1795


Pulsemos a lira, que além se levanta
Padrão de vitória que imenso reluz!
Um templo e altares à Mãe sacrossanta;
Um templo, um poema que altivo descanta
Grandezas da pátria nos átrios da cruz (...)


Soares dos Passos

Nun'Álvares Pereira


Que auréola te cerca?
É a espada que, volteando,
Faz que o ar alto perca
Seu azul negro e brando.

Mas que espada é que, erguida,
Faz esse halo no céu?
É Excalibur, a ungida,
que o Rei Artur te deu.

'Sperança consumada,
S. Portugal em ser,
Ergue a luz da tua espada
Para a estrada se ver!

Fernando Pessoa
Painel (Estação do Rossio) de Lima de Freitas

sábado, 2 de abril de 2022

Batalha de Aljubarrota


Centro de Interpretação Batalha de Aljubarrota

Capela de S. Jorge

Monumento a Nuno Álvares Pereira, Aljubarrota

Pormenor do monumento


Assinatura do escultor




( ...) Mas o mosteiro tem um complemento e prólogo indispensável. Ninguém o deve visitar sem ir primeiro, como eu fiz pela mão de meu Pai, à capela de S. Jorge, construída pelo voto do condestável D. Nuno Álvares Pereira no lugar onde assentou a sua bandeira em 14 de agosto de 1385, dia de Aljubarrota.

Quando, vindos da Batalha por Alcobaça, na estrada do Porto a Lisboa, chegamos a 500 metros da capelinha de S. Jorge, acabamos de entrar no terreno em que evoluíram as forças portuguesas e tomaram as posições finais sobre que suportaram o embate castelhano.
A meio e cerca da capela actual se deu o choque entre os dois exércitos. Os Castelhanos orçavam por 30 000 contra 10 000 dos Portugueses, ou seja, a terça parte dos primeiros. Não faltou àqueles coragem e ímpeto no acometer. Perdeu-os o excesso de confiança em si próprios e o escasso conhecimento do terreno, tal como fora organizado.
Sem embargo de algum excesso na imagem, os Castelhanos combateram sobre a ponte levadiça dum castelo, tão estreita é a entrada da cumeada "Cumeira", em frente de S. Jorge, e tão defendida a posição pelas escarpas laterais, as obras de palanque, as fossas e abatizes - defesas tácticas, improvisadas à última hora e febrilmente construídas no próprio dia da batalha. 
O resultado é sabido. Numa rápida meia hora de combate a vanguarda castelhana quebrou-se e desfez-se contra as defesas, as armas e a bravura tenaz dos Portugueses.
A Nuno Álvares Pereira se deve a escolha do campo da batalha: a "Cumeira de Aljubarrota", verdadeiro fundamento táctico da vitória.

Jaime Cortesão




quarta-feira, 23 de março de 2022

85 meses e 29 dias

Desconheço a constelação onde estás.


Estás à esquerda,

junto ao cenário azul, sem nuvens.

Ardem fogueiras de incenso e sândalo, além.

Rodeiam-te infinitas lâmpadas suaves,

com filamentos de ouro, mercúrio e cristais.

Há um violino, apenas um,

que o músico cego toca, num teatro de pó,

de onde não se vê o mar.

É uma música alta, como se chamasse por ti.


José Agostinho Baptista

https://www.youtube.com/watch?v=o_T7irLRaQI







sábado, 19 de março de 2022

Portugal

Eu tenho vinte e dois anos e tu às vezes fazes-me sentir como se tivesse oitocentos.

Que culpa tive eu que D. Sebastião fosse combater os infiéis ao norte de África
só porque não podia combater a doença que lhe atacava os órgãos genitais
e nunca mais voltasse.
Quase chego a pensar que é tudo mentira, que o Infante D. Henrique foi uma invenção do Walt Disney
e o Nuno Álvares Pereira uma reles imitação do Príncipe Valente.

Portugal

Não imaginas o tesão que sinto quando ouço o hino nacional (que os meus egrégios avós me perdoem). 
Ontem estive a jogar poker com o velho do Restelo. Anda na consulta externa do Júlio de Matos. Deram-lhe uns eletro-choques e está a recuperar à parte o facto de agora me tentar convencer que nos espera um futuro de rosas.

Portugal

Um dia fechei-me no Mosteiro dos Jerónimos a ver se contraía a febre do Império
mas a única coisa que consegui apanhar foi um resfriado.
Virei a Torre do Tombo do avesso sem lograr encontrar uma pétala que fosse
 das rosas que Gil Eanes trouxe do Bojador. 

Portugal

Se tivesse dinheiro comprava um Império e dava-to.
Juro que era capaz de fazer isso só para te ver sorrir Portugal.
Vou contar-te uma coisa que nunca contei a ninguém Sabes
Estou loucamente apaixonado por ti

Pergunto a mim mesmo
Como me pude apaixonar por um velho decrépito e idiota como tu
mas que tem o coração doce ainda mais doce que os pastéis de Tentúgal
e o corpo cheio de pontos negros para poder espremer à minha vontade.
Portugal estás a ouvir-me?
Eu nasci em mil novecentos e cinquenta e sete, Salazar estava no poder, nada de ressentimentos
o meu irmão esteve na guerra, tenho amigos que emigraram, nada de ressentimentos
um dia bebi vinagre, nada de ressentimentos.
Portugal depois de ter salvo inúmeras vezes os Lusíadas a nado na piscina municipal de Braga
ia agora propor-te um projecto eminentemente nacional
Que fossemos todos a Ceuta à procura do olho que Camões lá deixou Portuga.l
Sabes de que cor são os meus olhos? São castanhos como os da minha mãe. Portugal
gostava de te beijar muito apaixonadamente na boca

Jorge Sousa Braga

Pintura de Julio Pomar

https://www.youtube.com/watch?v=Bdjev1tehrc


quinta-feira, 10 de março de 2022

A casa


A casa vem ao meu encontro.
Agora que está longe, vem ao meu encontro.
Nunca tinha vindo tanto ao meu encontro.

A casa: conglomerado de serventias
e confortos e, agora que está longe, 
uma massa indistinta de memórias:
choros e risos e ralhos
e a voz da Mãe cantando enquanto costurava.

A casa: estive nela com demora e rodeado
dos que amei. E o tempo parecia
não se escoar, estando na casa.

Mas a verdade é que escoou mesmo:
um dia a casa encolheu, deixámos de caber
nos escombros do que a casa tinha sido.

E cada qual em sua barca
partimos sobre as águas escaldantes
da ausência uns dos outros
a fundar outras colónias, a chamar por
outras mortes por afogamento.

Deixando para trás, sepultadas em pó,
memórias dos que morreram e, morrendo,
conheceram finalmente a eternidade
das coisas imóveis.

A. M. Pires Cabral
Gravura de Escher




segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Ah quantas máscaras...


Ah quantas máscaras e submáscaras,

Usamos nós no rosto de alma, e quando,

Por jogo apenas, ela tira a máscara,

Sabe que a última tirou enfim?


De máscaras não sabe a vera máscara,


E lá de dentro fita mascarada.


Que consciência seja que se afirme,


O aceite uso de afirmar-se a ensona.


Como criança que ante o espelho teme,


As nossas almas, crianças, distraídas,


Julgam ver outras nas caretas vistas


E um mundo inteiro na esquecida causa;


E, quando um pensamento desmascara,


Desmascarar não vai desmascarado.



Fernando Pessoa (tradução de Jorge de Sena)

https://www.youtube.com/watch?v=L65YSMtEPWU