terça-feira, 16 de novembro de 2010

Goa


Ao sair do aeroporto de Dabolim, aturdido pelo calor, o cansaço de duas noites sem dormir, e sobretudo o confuso alvoroço da multidão em festa, abandonei a minha mala, aliviado, nas mãos do primeiro motorista de táxi. Tive sorte. Sal parece um tipo honesto e interessante. Católico. O tablier do carro, transformado em altar, proclama isso mesmo: há uma Virgem Maria dentro de uma redoma de vidro, com pequenas luzes coloridas que piscam ao ritmo da música, uma minúscula urna com o corpo incorrupto de São Francisco Xavier, um crucifixo de prata suspenso do espelho retrovisor. Porém, o que primeiro me chamou a atenção foi a bandeira azul e branca do Futebol Clube do Porto.
   - Você fala português?
   Sal riu-se:
   - Bom dia...
O português dele, infelizmente, resume-se a isto. Um táxi com a bandeira do Futebol Clube do Porto é uma coisa que apenas esperava encontrar na cidade do Porto. Se fosse do Sporting ou do Benfica, clubes menos regionais, não estranharia tanto. Ontem, curiosamente, em conversa com o escritor Mário Cabral e Sá, soube que nos anos cinquenta se chegou a criar um Futebol Clube do Porto de Siolim: "copiávamos tudo de Portugal" - disse-me ele com amargurada ironia. O táxi de Sal também tem uma bandeira portuguesa, colada no vidro posterior, ao lado de outra da União Europeia. Finalmente - foi isso que me conquistou - Sal deu ao seu carro um belo nome, Princesa de Goa, e escreveu-o a tinta dourada em ambas as portas.

José Eduardo Agualusa
http://www.youtube.com/watch?v=Ux2FdIHJ2rs

Um comentário:

  1. Admiro este escritor pela jovialidade e frescura dos seus escritos.
    O facto de ter vivido em África e Brasil, ter viajado pela Índia e não só, conferem-lhe uma transparência muito realista aos relatos que compõe. Parece sermos companheiros de viagem...
    Este "Um estranho em Goa" permite-nos compreender a Goa de hoje e a identidade que tomou após o período do colonialismo.
    O vídeo está certamente à altura, tenho de o ouvir em casa, porque aqui não tenho 'som'!
    PS: - já sei que o Herberto Helder não é escritor mas um "brutal" poeta português.
    Um beijinho
    Hilda

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