sábado, 16 de abril de 2011

O Mar de Madrid


Atravessou a cidade sentado no pequeno autocarro que esperava os escritores no terminal do aeroporto de Barajas e reviu Madrid. Ah, Madrid do seu coração! Ainda que sob as luzes embaciadas e frias do início da noite, reviu-as com alegria, com o prazer de um novo encontro há muito aprazado entre dois bons e velhos amigos e só agora concretizado. Porque há cidades assim, pensou com amor e com gratidão o poeta: acolhem-nos como se tivessem sido desde sempre o nosso berço, a casa grande de um mundo em miniatura que dizem existir dentro de cada um de nós. O céu gelado de Fevereiro isolava as coisas nos seus lugares: as estátuas ao centro das praças, as varandas corridas na única contínua fachada dos prédios esculpidos de ambos os lados de cada rua, o zelo e o orgulho, a limpeza e a monumentalidade de cada edifício, numa harmonia de cores, formas e estilos, ao longo das avenidas cheias de trânsito de uma cidade que começava, segundo se dizia, no fim de todos os caminhos(...)
Os escritores pararam ao fundo da Gran Via e desceram à porta de um hotelzinho recentemente restaurado(...)Veio um ruivo fardado, saudou-os com uma alegria espontânea, quase eufórica, própria de quem tomasse os clientes por familiares daquele santo ofício, e carregou as malas lá para dentro. Apressado, aturdido pelo perigo da borrasca. Com efeito o céu turvara-se ainda mais. Não tardaria a chover. A chuva enviava na sua frente um ventinho brando e lambido, cuja humidade anunciava de antemão a sua chegada iminente a Madrid(...)
Levado pelo júbilo desse seu reencontro com Madrid, subiu ao sexto andar do hotel. Já no quarto, recebeu a mala. Não quis saber de abri-la logo(...)
Um céu carregado por formas bojudas e em movimento, e que mais parecia uma pedreira, amontoava-se então perto da sua janela, à altura da mão do poeta. Bastar-lhe-ia estendê-la para o exterior, e com ela puxaria o firmamento para baixo e para cima, como se fosse uma persiana. A Gran Via trepava por ali fora, toda iluminada pelas suas mil cores, desde a Praza de España até deixar de ver-se ao cimo, na curva do Callao. Movia-se a toda a pressa com as suas multidões que fugiam já das primeiras bátegas.

João de Melo
http://www.youtube.com/watch?v=p9pY_kzNRUU

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