sábado, 27 de agosto de 2011

Sobre a leitura


Tanto os leitores que procuram um passatempo e uma distracção como aqueles que desejam aumentar a sua cultura atribuem aos livros não sabemos bem quais energias ocultas capazes de recrear e de elevar espiritualmente (...) Por isso comportam-se como aqueles doentes pouco instruídos que, sabendo que nas farmácias se encontram muitos medicamentos eficazes, se aplicam muito e provam, aqui e ali, tudo o que encontram, em cada prateleira e em cada boião. No entanto, tal como nas verdadeiras farmácias, também nas livrarias e bibliotecas cada um de nós poderia encontrar as ervas medicinais que são úteis no seu caso,  das quais poderia obter restauro e novo vigor, em vez de se intoxicar e encharcar com as mesmas.
Por isso, eu ouso afirmar que, por toda a parte, se lê demasiado e que toda esta leitura não honra de modo algum, antes ofende a literatura. Os livros não existem para condicionar mais do que nunca os homens já condicionados e menos ainda para fornecer a homens incapazes de viver um pequeno meio inconsequente que lhes assegure uma parecença e um sucedâneo da vida. Pelo contrário, os livros apenas têm valor se conduzem na direcção da vida, se a sabem servir e ser-lhe úteis, e qualquer hora de leitura da qual não nasça para o leitor uma sensação de rejuvenescimento, um hálito de frescura nova, é uma hora desperdiçada.
Sob um aspecto puramente exterior, ler constitui uma ocasião, uma obrigação de nos concentrarmos e nada é mais errado do que lermos para "nos distrairmos". Quem não sofre de psicopatias não deve, absolutamente, distrair-se, antes deve concentrar a sua atenção, deve, sempre e em toda a parte, onde quer que se encontre e independentemente daquilo que fizer ou sentir, estar presente com todas as forças do seu ser. Também na leitura, portanto, é necessário que nos sintamos convencidos de que cada livro digno desse nome representa uma concentração, um compêndio e uma forte simplificação de coisas complicadas. Até o mais pequeno poema é já um semelhante resultado do adensamento e da simplificação de várias sensações humanas; e se, lendo, eu próprio não sinto vontade de participar e de colaborar com atenção no processo criativo e cognitivo, quer dizer que sou um mau leitor.

Hermann Hesse
http://www.youtube.com/watch?v=JpgRKXzB6tI&feature=related

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