segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Lobos e Homens


Eu é que conheço a Samardã, desde os meus onze anos. Está situada na província Transmontana, entre as serras do Mésio e do Alvão.
Na vertente da montanha que dominava a Samardã, havia um fojo - uma cerca de muro tosco de calhaus a esmo onde se expunha à voracidade do lobo uma ovelha tinhosa. O lobo, engodado pelos balidos da ovelha, vinha de longe, derreado, rente com os fraguedos, de orelha fita e focinho a farejar. Assim que dava tento da presa, arrojava-se de um pincho para o cerrado. A rês expedia os derradeiros berros fugindo e furtando as voltas ao lobo que, ao terceiro pulo, lhe cravava os dentes no pescoço, e atirava com ela escabujando sobre o espinhaço; porém, transpor de salto o muro era-lhe impossível, porque a altura interior fazia o dobro da externa. A fera provavelmente compreendia então que fora lograda; mas em vez de largar a presa, e aliviar-se da carga, para tentar mais escoteira o salto, a estúpida sentava-se sobre a ovelha e, depois de a esfolar, comia-a. Presenciei duas vezes esta carnagem em que eu - animal racional - levava vantagem ao lobo tão somente em comer a ovelha assada no forno com arroz.

Camilo Castelo Branco
http://www.youtube.com/watch?v=ECRK5oqO4rk

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