segunda-feira, 19 de março de 2012

Os Maias


- E o pequeno, onde está o pequeno? - exclamou Afonso.
Pedro pareceu recordar-se:
- Está lá dentro com a ama, trouxe-o na sege.
O velho correu, logo; e daí a pouco aparecia, erguendo nos braços o pequeno, na sua longa capa branca de franjas e a sua touca de rendas. Era gordo, de olhos muito negros, com uma adorável bochecha fresca e cor-de-rosa. Todo ele ria, grulhando, agitando o seu guizo de prata. A ama não passou da porta, tristonha, com os olhos no tapete e uma trouxazinha na mão.
Afonso sentou-se lentamente na sua poltrona, e acomodou o neto ao colo. Os olhos enchiam-se-lhe de uma bela luz de ternura; parecia esquecer a agonia do filho, a vergonha doméstica; agora só havia ali aquela facezinha tenra, que se lhe babava nos braços...
- Como se chama ele?
- Carlos Eduardo -murmurou a ama.
- Carlos Eduardo, hem?
Ficou a olhá-lo muito tempo, como procurando nele os sinais da sua raça: depois tomou-lhe na sua as duas mãozinhas vermelhas que não largavam o guizo, e muito grave, como se a criança o percebesse, disse-lhe:
- Olha bem para mim. Eu sou o avô. É preciso amar o avô!
E àquela forte voz, o pequeno, com efeito, abriu os seus lindos olhos para ele, sérios de repente, muito fixos, sem medo das barbas grisalhas: depois rompeu a pular-lhe nos braços, desprendeu a mãozinha, e martelou-lhe furiosamente a cabeça com o guizo.
Toda a face do velho sorria àquela viçosa alegria; apertou-o ao seu largo peito muito tempo, pôs-lhe na face um beijo longo, consolado, enternecido, o seu primeiro beijo de avô; depois, com todo o cuidado, foi colocá-lo nos braços da ama.

Eça de Queiroz
http://www.youtube.com/watch?v=iNntUHDc6U0

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