quinta-feira, 7 de junho de 2012

Pátrias


São várias as minhas pátrias:

Depois de Castelo Branco, até à serra da Estrela. A pátria de uma das minhas infâncias. De metade de todos os meus nomes. Os da terra. Que proliferavam. Uma coisa era sempre nova. Um nome acrescentava a outro uma espécie de alegria. Dizê-los. Ligavam-se pelo olhar perguntador e formavam extensas frases. As mais extensas da vida. Gosto da memória da infância. De a escrever. Porque as palavras ainda não tinham encontrado a denúncia. Nem a traição. Avô, como se chama esta árvore? E esta pedra? E este bicho? E a palavra única surgia, da indiferença de todas as árvores, de todas as pedras, de todos os bichos. Um pássaro, de todos os pássaros. Entre a Gardunha e a Estrela, a pátria tinha o tamanho de uma casa, via-se onde começava e acabava, apanhávamos rãs nos seus ribeiros e cágados nos seus poços. Armávamos aos pássaros, sob as oliveiras. E ouvia-se a morte no som dos costilos a fecharem-se. Meus avós estavam parados na eternidade da velhice. E o tempo era uma repetição fulgurante. A casa tinha todas as portas que podíamos inventar, e cada uma delas abria para um sítio só nosso: a imensidão do esconderijo. Um som esperava-nos: o latir de um cão, o vento nas oliveiras, ou a primeira chuva no restolho seco. Às vezes o arrulhar de um pombo. Um zumbido. Um cheiro. Como uma outra porta. 

Ao norte. Tão ao norte. Fica a última pátria. Sinuosa. a água amplia os nossos olhos nos seus meandros. A mesma cor, que se repete, outra. Escarpa a escarpa. Fiorde a fiorde. A diluir a fronteira. Até se tornar um crepúsculo impreciso. 
- vamos a Kirkenes
- porquê?
- para voltar

Mas a grande pátria é a viagem. Essa terra cheia do meu espanto. Sempre andei de um sítio para o outro, tenho a inquietação nos genes. 
E sei que continuarei a fazê-lo. Até as palavras e letras se tornarem informes e eu já não as conseguir ler. Até a viagem me abandonar. Mesmo doente, ando de país em país, de cidade em cidade. Arrasto comigo o cansaço. Caio. Levanto-me. Engano-me. Procuro o desvio secreto.  Isto é. Isto é. Talvez a névoa. Que se confunda com o fechar de olhos.

Rui Nunes
http://www.youtube.com/watch?v=2AZL0FcQDV0&feature=related

Nenhum comentário:

Postar um comentário