domingo, 18 de agosto de 2013

Encontro com um Deus instântaneo


Chovia docemente sobre a erva brava coberta de papoilas. Era o fim de uma trovoada de Maio sobre aquela relva dourada, coberta de papoilas, onde em tempos idos se ergueram as ruínas da Comuna.
Mas o que Sálvio procurava na fibrilação da relva não eram esses idos heróicos mas o rosto de Deus.
Em vão buscara de noite tantas vezes, entre o sonho e a vigília, que ele lhe desse um sinal da sua presença.
Talvez não tivesse forma concreta nem voz audível.
Talvez vagasse no céu nuvioso entre a luz e a sombra.
E eis que, de repente, a folhagem das árvores começou a abanar, um vento inconcreto sacudiu a terra e sobre a pávida planície desceu um vulto gigantesco, sem forma definida, e Sálvio ouviu - ou teria enlouquecido? - um terrível grito:
- Sentes-me agora dentro de ti?
Sálvio nada sentiu senão medo, os seus dentes castanholando.
O Senhor Deus, ou o que quer que fosse, riu com estrépito e, tal como surgira, inopinadamente, desapareceu, num estrondo arrepiante.
E Sálvio descansou.

Urbano Tavares Rodrigues
http://www.youtube.com/watch?v=YEdehAN2l2E

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