domingo, 9 de fevereiro de 2014

Os meus Açores


Um lugar nunca é apenas "aquele" lugar: aquele lugar somos um pouco também nós. Seja como for, sem o sabermos, trazíamo-lo dentro de nós e um dia, por acaso, chegamos lá. Chegamos no dia certo ou no dia errado, conforme, mas isso não é responsabilidade do lugar, depende de nós. Depende de como lermos esse lugar, da nossa disponibilidade para o acolhermos dentro dos nossos olhos e dentro da nossa alma, de estarmos alegres ou melancólicos, eufóricos ou disfóricos, de sermos jovens ou velhos, de nos sentirmos bem ou de nos doer a barriga. Depende de quem somos no momento em que chegamos a esse lugar. Estas coisas aprendem-se com o tempo e, sobretudo, viajando. Mas há muitos anos, quando fiz a minha primeira viagem aos Açores, ainda não o sabia.
"Reconheces-me tu, ar, cheio dos lugares que uma vez foram meus?" É um verso de Rainer Maria Rilke que neste livro é recorrente. Alguém está a regressar a um lugar que conheceu noutros tempos e pede ao ar (o espírito do lugar?) que o reconheça, porque ele próprio não reconhece já esses lugares. Não reconhece o que contemplou noutros tempos nem o que nesse tempo sentia ao contemplar: as suas emoções, o seu eu de então. Cada lugar a que chegamos de viagem é uma espécie de radiografia de nós próprios. Muitas vezes, ingenuamente, tiramos fotografias com a ilusão de levarmos alguma coisa connosco. Mas as imagens são apenas a pele, pura aparência: o que esse lugar provoca em nós ao contemplá-lo  e vivê-lo não é fotografável. Acontece o mesmo que com os sonhos. Impelidos pelo desejo de comunicar a emoção sentida a alguém e quase com espanto damo-nos conta de que a história daquele sonho era banal, era um sonho como outro qualquer: assim ao contá-lo, não comunica nenhuma emoção, nem em quem nos escuta nem a nós próprios que o contamos. O que é que tinha então de tão especial para ter provocado tanta emoção? Nada. O importante daquele sonho não era o que acontecia, mas a maneira como o estávamos a viver: o sonho era a nossa própria emoção. Com um lugar é a mesma coisa. Contá-lo não significa descrevê-lo, mas conseguir transmitir, mesmo numa ínfima parte, as emoções que nos suscitou.

Antonio Tabucchi
http://www.youtube.com/watch?v=W4qjkIsYb4Y

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