quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Montemor-o-Velho





Nossa Senhora da Expectação
O castelo vê-se de longe, abrange toda a coroa da elevação em que foi levantado e, tanto pela sua disposição no terreno como pelo número de torres quadradas e cilíndricas que lhe reforçam os muros, transmite uma poderosa impressão de máquina militar. O viajante não precisa de sonhar castelos em Espanha, tem-nos em Portugal, e este avulta entre a grande cidade deles que já lhe povoa a memória. É possível, no entanto, que o viajante, a quem o cultivo das letras não é estranho, esteja a deixar-se influenciar por factos que com o castelo nada têm, como seja terem nascido nesta boa vila de Montemor o Fernão Mendes Pinto da Peregrinação e o Jorge de Montemor da Diana. Sabe muito bem o lugar que ocupa nesta fila de três, lá para trás, no coice, mas, sendo a imaginação livre, compraz-se com a ideia de que por esta mesma porta de Santa Maria de Alcáçova entraram a baptizar-se, cada um em seu tempo, o pícaro Fernão e o amoroso Jorge e agora entra o viajante, por seu pé, com muito mais sal na boca do que à salvação convém, mas tão curioso como Fernão e tão melindroso como Jorge. Fique este desabafo e vamos às pedras e pinturas. Santa Maria de Alcáçova em três naves, mas são tão amplos os arcos, tão esbeltas as colunas, que mais parece isto um salão enfeitado de falsas sustentações. Mora aqui um retábulo renascentista presumivelmente da oficina de João Ruão, e nele, entre Santa Luzia e Santa Apolónia, uma Virgem da Expectação gótica, de Mestre Pero, que mostra o ventre fecundado, pousando nele a mão esquerda. É uma formosa imagem, que não esquece.
                                                                                                   
José Saramago
https://www.youtube.com/watch?v=8QthBRx6Cd4


                   
                                                                                                    

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