domingo, 8 de abril de 2018

Coração Polar


Ouvi dizer que há um veleiro que saiu do quadro
é ele que vem talvez na nuvem perigosa
esse veleiro desaparecido que somos nós.
Da minha janela vejo-o passar no vento sul
outras vezes sentado olhando o ângulo mágico
sinto a sua presença logarítmica
vem num verso alexandrino de Cesário Verde
traz a ferragem e a maresia
traz o teu corpo irrepetível
o teu ventre subitamente perpendicular
à recta do horizonte e dos presságios
ou simplesmente a outra margem
o enigma cintilante a florir no cedro em frente
qual é esse país pergunto eu
qual é esse país onde tudo existe e não existe
qual é esse país de onde chega este perfume
este sabor a alga e despedida
esta lágrima só de o pensar e de o sentir.
Não é apenas um lugar físico algures no mapa
é talvez o adjectivo ocidental
o verbo ocidentir
a advérbio ocidentalmente
quem sabe se o substantivo ocidentimento.
Está na palma da mão no nervo no destino
e também no teu corpo aberto ao vento do nordeste
é talvez o teu rosto alegre e triste - esse país 
que existe e não
existe

Manuel Alegre
(serigrafia de Lima de Freitas)
https://www.youtube.com/watch?v=JOpn8I1vnAg

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