segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Brueghel e o fascínio



Lembro-me de estar no Museu do Prado e de me encontrar com O Triunfo da Morte, de Brueghel.
Não poderia descrever aqui o caos generalizado daquele mundo atacado por esqueletos ceifando, degolando, enredando, afogando, enterrando homens e mulheres de todas as classes e idades e profissões - que, em pânico, gritam, fogem, tentam ignorar ainda o massacre. Não é sequer uma dança macabra, mas a mais simples chacina. Um Apocalipse sem Jerusalém celeste. 
Há muito que ver. Num canto, um esqueleto mostra a um rei, vestido de arminhos e armadura, uma ampulheta inexorável. Algures, outro esqueleto apalpa as mamas de uma nobre roliça, enquanto um terceiro serve uma sopa de tíbias e caveira. Noutro canto, dois amantes trocam melodias e palavras de amor - logo imitados por um esqueleto, cheio de cínica complacência.
Por que não consigo desligar os olhos deste quadro?
Primeiro, porque é o maior jogo de massacre que conheço. Sem paciência: a morte tem de ser toda - e já - e não há desculpas para ninguém!
Em segundo lugar, porque há nessa sincronia tantas histórias citadas, tantas anedotas e provérbios e exegeses bíblicas e paródias e ironias e antíteses! O olhar fascinado não pára de desvendar micro-narrativas.
E finalmente: porque é tão divertido!
O quê, a morte?
Sim, claro, a morte.

Pedro Eiras
Pintura O Triunfo da Morte de Brueghel (Pormenores)
https://www.youtube.com/watch?v=S_nswb0Mh14

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