domingo, 10 de maio de 2020

A educação no tempo de O. S.



As carteiras alinhadas, diante do quadro preto, do crucifixo e do retrato de O. S. Rezar todas as manhãs por O. S. Rezar em coro a O. S.
Enquanto todos reencontram a família, à noite, ele fica sozinho, trabalhando, velando sem dormir pelo seu povo. Graças a ele as pessoas vivem em segurança, defendidas da discórdia, da infelicidade e da guerra, libertas de todo o mal.
Entre a ira de Deus e os ventos da História ele levanta-se como um anjo para proteger o seu povo. Ele é um rochedo de granito, uma fortaleza inexpugnável, contra a qual as ciladas do inimigo não terão jamais poder algum.
Está sentado numa cadeira de ouro e não sai nunca porque todos os lugares estão nele, ele é o alfa e o ómega, o princípio e o fim.
As setas venenosas embatem nele e quebram-se como vidro, ele é mais forte do que a hidra, o tufão, o raio e o basilisco.
Velai por ele, ó Deus, pois ele é a nossa segurança e a nossa força.

Vestidas com batas brancas, todas sentadas em cadeirinhas baixas. O céu enevoado, as nuvens descendo, para lá da janela, algures, nos ouvidos, o vento andando. Áurea inclinava-se sobre cada uma, vigiando, as agulhas caíam, desenfiadas da linha, quando ela segurava o pano. 
- Não quero nós, disse, dá-se meio ponto e segura-se a linha com outro meio ponto, quantas vezes eu já disse isso.

Áurea estava exausta, mas não afrouxaria. Levantou os olhos até ao retrato: O. S. era o seu esposo místico, ele dava razão e sentido à sua vida. À noite era nele que pensava na cama, adormecia pensando nele, um homem perfeito e santo, como mandava a Igreja. Um povo de santos, que preferiam não usar o seu corpo.
"Faz do trabalho uma oração", leu ainda, mais abaixo, desviando os olhos do retrato. Mandara emoldurar a frase e pendurara-a na parede, em letras grossas que se viam com clareza de todas os lugares da sala, não podiam deixar de ler-se sempre que se levantavam os olhos do caderno ou do bordado, mil vezes ao dia, como uma jaculatória, e ficavam para sempre gravadas na memória.
Educar era isso, gravar no espírito, desde a infância. Aí ficariam as palavras para sempre, e um dia não seria mais possível apagá-las, fariam parte da pessoa. Era necessário, por isso, fornecer em tempo às crianças as palavras certas e livrá-las das falsas. Preservá-las do mal a todo o custo. Separar os sexos, as salas, as escolas.

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