segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Egas Moniz

 Férias em Avanca

Quando íamos a férias, eu, meu irmão e a Lucianinha que sempre vinha, no Verão, do Convento de Arouca, fazíamos a vida impossível a nossos pais e especialmente à nossa mãe, sempre solícita em nos aturar. Minha irmã já gostava de bordar e costurar, místeres em que com ela se entendia. Os rapazes gostavam da vida ao ar livre, da caça aos passarinhos, da busca de ninhos e das brigas na relva do quintal, espécie de luta romana que improvisávamos. Às vezes acabava menos amigavelmente. Pequenas nuvens que não chegavam a projectar sombras.
Havia uma ambição da nossa vida de garotos: o rio! Passava ao fundo da pequena quinta um riacho tentador. Estávamos proibidos de ir sós para lá. O ribeiro tinha uns lugares mais fundos e meus pais receavam qualquer desastre. Mas era uma tentação irresistível! Logo de manhã, da janela do nosso quarto, víamos os salgueiros e amieiros, que bordavam as margens a chamarem-nos em movimentos rumorejantes. O desejo de transgredir as ordens paternas aparecia como uma necessidade imperiosa, revolta que considerávamos legítima contra a opressão familiar. Apenas com pessoa de gravidade podíamos descer às margens do Gonde, - assim se chama o riacho, só imponente com as cheias - e nem sempre aparecia companhia idónea.
Quando o tio João António vinha ao Marinheiro,  então sim, era satisfeito o nosso desejo. Meu tio pescava ao anzol uns inocentes roubacos e raros barbos que, ao tempo, constituíam com esquivas enguias, a fauna ictiológica do Gonde.

Egas Moniz (1874-1955)





 



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