sábado, 20 de novembro de 2021

Paisagem

O tempo passou, transformou tudo em gelo.

Sob o gelo, o futuro bulia.

Se caísses lá dentro, morrias.

 

Era um tempo

de espera, de acção suspensa.

 

Eu vivia no presente, que era

a parte do futuro que podíamos ver.

O passado pairava sobre a minha cabeça,

como o sol e a lua, visível mas inalcançável.

 

Era um tempo

governado por contradições, como

Não sentia nada e

tinha medo.

 

O inverno esvaziou as árvores, voltou a enchê-las de neve.

Como eu nada sentisse, a neve caiu, o lago gelou.

Como se eu tivesse medo, permaneci imóvel;

o meu bafo era branco, uma descrição do silêncio.

 

O tempo passou, e uma parte dele tornou-se isto.

E outra parte evaporou-se simplesmente;

podíamos vê-la a pairar sobre as árvores brancas,

formava partículas de gelo.

 

Esperas a vida inteira pelo momento oportuno.

Depois o momento oportuno

revela-se acção consumada.

 

Eu via mover-se o passado, uma fila de nuvens a avançar

da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda,

consoante o vento. Por vezes

 

não havia vento. As nuvens pareciam

ficar onde estavam,

como uma pintura do mar, mais imóveis do que reais.

 

Por vezes o lago era um lençol de vidro.

Sob o vidro, o futuro murmurava,

modesto, convidativo:

tinhas de te concentrar para o não ouvires.

 

O tempo passou; chegaste a ver parte dele.

Os anos que levou eram anos de inverno;

ninguém lhes sentiria a falta. Por vezes

 

não havia nuvens, como se

as fontes do passado tivessem desaparecido. O mundo

 

perdera a cor, como um negativo; a luz atravessava-o

de lado a lado. Depois

a imagem apagava-se.

 

Por cima do mundo

só havia azul, azul em toda a parte.

 

Louise Glück (tradução de Rui Pires Cabral)

Pintura de Van Gogh

https://www.youtube.com/watch?v=xnHEQhno7Y8


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