sexta-feira, 23 de agosto de 2024

O novo Alentejo

No tempo do Estado Novo, com as Campanhas do Trigo, as representações do Alentejo simplificaram-se e organizaram-se em torno da planície cerealífera - o Celeiro de Portugal - em processo de modernização e de aprofundamento das desigualdades sociais. No período posterior à revolução de Abril de 1974, assistiu-se a um curto e intenso tempo de mudança da tonalidade da paisagem alentejana: o Alentejo era vermelho e a reforma agrária iria desmantelar o latifúndio.
Nas duas últimas décadas as mudanças foram vertiginosas e contraditórias com o final do longo ciclo do trigo e a entrada veloz da vinha, da oliveira e de  um leque variado de culturas regadas e novidades tão inesperadas quanto a produção de papoilas para a extracção do ópio (do povo?). Finalmente, o projecto de rega do Alqueva cumpria a miragem do grande lago e trouxe os investidores internacionais do agro-negócio, o fresquíssimo nome da agricultura. Fala-se novamente nos minérios e na grandeza industrial e portuária de Sines, o Complexo, como lhe chamaram aquando do seu baptismo. No entanto o despovoamento continua com o aprofundamento do envelhecimento e a concentração demográfica nas principais cidades e vilas. Na agricultura trabalha gente do Brasil, da Roménia, da Ucrânia, da Moldávia, da China, do Nepal e de outros orientes. São os novos ratinhos do trabalho sanzonal. Escravos do campo regado em tempos de globalização.
De coisa quase ausente - excepto na Costa alentejana, agora rebaptizada de Sudoeste, com festival e muita estufa de framboesa -, o turismo apareceu com a sua corte de cenografias e relatos sobre gastronomia e vinhos, paisagens, praias, rotas, monumentos megalíticos, Patrimónios da Humanidade, caça, turismo rural, natureza, porcos pretos, casas brancas, resorts, cante, chocalho, centros históricos, aldeias típicas, montados, cavalos, perdizes, castelos e fortalezas e tudo e tudo. O latifúndio monocórdico pariu uma estridência radical.

Álvaro Domingues, 2017


Nenhum comentário:

Postar um comentário