domingo, 15 de julho de 2012

Falajar


Assola o país uma pulsão coloquial que põe toda a gente em estado frenético de tagarelice, numa multiplicação ansiosa de duos, trios, ensembles, coros. Desde os píncaros de Castro Laboreiro ao Ilhéu de Monchique fervem rumorejos, conversas, vozeios, brados que abafam e escamoteiam a paciência de alguns, os vagares de muitos e o bom senso de todos. O falatório é causa de inúmeros despautérios, frouxas produtividades e más-criações.
Fala-se, fala-se, fala-se, em todos os sotaques, em todos os tons e decibéis, em todos os azimutes. O país fala, fala, desunha-se a falar, e pouco do que diz tem o menor interesse. O país não tem nada a dizer, a ensinar, a comunicar. O país quer é aturdir-se. E a tagarelice é o meio de aturdir-se mais à mão.
Falam os médicos, os notários, os empreiteiros, os varredores, os motoristas, os professores e toda a lista de profissões da estatística e não há corporação que fique de fora neste zunzunar do paleio, vendedores de automóveis, mediadores de seguros, sapateiros que passam a vida a cantar, empregados de mesa, agentes da autoridade, doentes dos hospitais, operadores imobiliários, empregados forenses, e também engenheiros, sem-abrigo, vagabundos, telefonistas, padeiros, patinadores, engraxadores e vândalos. Imigrantes provindos de países sombrios aprendem aqui a soltar as línguas, aderem ao velho ofício de dar à taramela, por isto e por aquilo, por tudo, nada. Passam-se dias, meses, anos, remoem as depressões, adejam os perigos e o país a falajar, falajar, falajar.

Mário de Carvalho
http://www.youtube.com/watch?v=PcHnZLLEB7s

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