sábado, 28 de julho de 2012

Sinais de Fogo


No dia seguinte, tinha de procurar o José Ramos e a irmã. Encontrava-os na praia, eu sabia mais ou menos a altura em que os pais deles costumavam alugar barraca. A Mercedes era bonita, e distinguira-se, para mim, das amigas dela, com quem a gente, pela manhã, no banho, brincava de empurrá-las para a água, ou, à tarde, ficava deitado na areia, sob o olhar vigilante das mamãs, jogando entediadamente o prego que elas atiravam sabiamente, com muitas regras sucessivas. Passear com elas,  naquele tempo, era ainda impensável. O mais que elas faziam eram passearem à tarde pela esplanada, em grupos compactos, cujo número compensava a falta de vigilância das mães e das tias. Nós, em grupos, seguíamo-las, ou cruzávamos acintosamente por elas. Mesmo que um irmão de uma estivesse num grupo de rapazes, a aproximação não se dava. Pelo contrário: isso vincava ainda mais a distância. Quando no casino havia "bailes juvenis", elas iam, "devidamente acompanhadas", sem o que não entrariam. Esta severidade da gerência era muito louvada pelas famílias, nas conversas de praia, de barraca para barraca contígua. Sentadas em cadeirinhas baixas, e fazendo intermináveis "tricots", cujos pontos ensinavam umas às outras, as senhoras discutiam estas questões, e informavam-se discretamente de quem nós éramos, com vistas aos namoros das filhas. A perseguição feita a alguns, muito insidiosa, chegava a incluir irmãos e primos, ou, pelo menos, tentava conseguir que a amizade deles, por alguém "de condição ou de futuro", arrastasse a desejada vítima para o redondel das cadeirinhas. Daí que, cautelosamente, nós nunca caíssemos em jogar prego perto das barracas, mas nos toldos. Estes constituíam aliás, na sua formatura em filas perpendiculares à das barracas, uma espécie de proletariado olhado com desdém pela aristocracia barraquina. Todas as famílias que se prezavam alugavam barraca para a temporada. Meus tios, que nunca punham os pés na praia, também tinham a sua, o que me garantia certo "status" perante as senhoras. Os toldos eram para veraneantes sem categoria, que, por mais que fizessem sorrisos amáveis, não conseguiam arrancar às damas das barracas mais que um leve reconhecimento de cabeça.

Jorge de Sena
http://www.youtube.com/watch?v=Hz--o0ABNes

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