domingo, 8 de julho de 2012

A Casa Grande de Romarigães


Em menos de cinco anos estava acabada a Casa Grande, prédio de torre, com largos salões e muitos cómodos, no flanco a capela de N.ª S.ª do Amparo, e uma cozinha de lajedo e chaminé de barretina, compreendendo lareira, armários, dois fornos em que se podia assar, ao estilo das comunidades conventuais, um boi no espeto. A fonte, perto do corgo, gorgolejava por uma bocarra, na sua carranca de Medusa, abundante e fresca água. E o bastio de pinheiros e carvalhiços cobria já o cerro em frente, unido à velha mata e populosa cidade dos pássaros. À tarde a brisa, que subia desde a costa pelo estuário do Coura, arrepiava-lhe brandamente as corutas e uma onda balsâmica e elísia varria a Casa Grande.
Os prados estavam a produzir em pleno rendimento, e ano por ano já não havia tonéis e cubas bastantes para a vinha de espaldeira e enforcado que guarnecia os contornos do regadio. De manhã a sol-pôr era ali uma alfândega de gente. Vinham os taverneiros de Cristelo e do Bico encher os seus odres, e os almocreves de Guimarães com vistosas rédeas de azémolas, ajoujadas de campainhas castelhanas, tirar cargas e cargas de milho. Manadas de vacas, de úberos retesos, mugindo amaviosas quando mamãs recentes, davam amenidade bíblica ao verde anojadiço das veigas. As ovelhas baliam nos rossios, e era patusco ver os poldros novos despedir em carreiras vertiginosas pelos cerros e estacar cerce como o cavalo de Fuas Roupinho nas arribas da Nazaré.
No Inverno abrigavam-se na propriedade as aves indígenas, rudes mas pouco aventureiras, como o gaio, o melro e o picanço. Certos bichos do monte, entre os quais a raposa, a fuinha, e o gato bravo, elegiam também a mata velha para sede das suas tocas e madrigueiras. De coelhos, os tojais eram um inçadoiro. Sol posto, investiam através das regadas de sanfeno até à horta, à beira mesmo da casa. Primeiro que ninguém haviam eles de provar a couve troncha e a folha da luzerna adstringente. Nas noites de luar nada mais engraçado que vê-los em corrimaças, devaneios e nas batalhas por sua dama ou seus caprichos, ora orelhas fitas, aptas a recolher os sussurros mais subtis, botando o seu trote e acaçapando-se, ora à desfilada, mandando mil pernas maratónicas. E quando avançavam aos saltinhos para as fêmeas, dando a sua sapatada a meter medo aos rivais, eram mais cómicos que cupidos a lançar a frecha.

Aquilino Ribeiro
http://www.youtube.com/watch?v=RAZNxlG-uNw

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