segunda-feira, 9 de março de 2015

Uma visita a Portugal



Depois de todas as descrições de Lisboa que eu lera anteriormente, sei que tinha formado uma determinada impressão acerca desta cidade, mas quão diferente ela aparecia à minha frente, na realidade! - que leve, que formosa!, não me cansava de o exclamar. Onde estavam as ruas sujas sobre as quais eu tinha lido, as carcaças atiradas fora, os cães vadios... Não vi nada disso, e quando mencionei tal assunto disseram-me que isso pertencia ao passado, a uns trinta anos atrás; muitos lembravam-se ainda bastante bem desse tempo. Agora, havia estradas largas e limpas, casas hospitaleiras, cujas paredes estavam decoradas com quadrados de porcelana brilhante com desenhos azuis e brancos; as portas e balcões estavam pintados de verde ou vermelho, cores estas que apareciam em todo o lado, até nos barris dos aguadeiros. O passeio público, um jardim comprido e estreito no centro da cidade, tem à noite iluminação a gás; ouve-se música e as árvores floridas espalham uma fragrância por vezes demasiado forte; é como se estivéssemos numa loja de especiarias ou numa confeitaria, na altura em que se preparam e põem gelados de baunilha em exposição.
Nas ruas principais há vida e agitação: passam cabriolés ligeiros; pesadas carroças de camponeses, aparentando serem anteriores à época diluviana, andam lentamente, puxadas por bois; aqui, vêem-se camponeses a venderem leite: o homem anda a pé, com duas ou três vacas que ordenha na rua; normalmente, segue-o um vitelo grande, com um açaime de couro; não recebe mais que a porção de leite que lhe dão. Exibem-se grandes cartazes de teatro nas ruas. A Ópera esteve fechada durante a minha estadia aqui. Os mais frequentados eram o Circo Price, onde se cantavam pequenas peças musicais e operetas, assim como o teatro D. Maria II; este não é muito grande, mas é um edifício muito bonito com filas de colunas e de estátuas, de frente para uma grande praça quadrada onde há árvores plantadas, e com um pavimento de mosaico muito ornamentado. Um pouco mais além fica a Rua do Ouro, onde vivem todos os ourives; um bazar após outro, expõem fios, peças decorativas e coisas gloriosas afins. Seguindo por esta rua, vamos dar à maior praça da cidade: a "Praça do Comércio"; alonga-se mesmo até ao pavimento de mármore da praia aberta sobre o rio Tejo, onde estão os navios.

Hans Christian Andersen  (1866)
https://www.youtube.com/watch?v=YPP8-a1Phfw

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