domingo, 23 de janeiro de 2022

Ciclista

Talvez a ti apenas

condutor veloz

e desabrido

que decerto vai

já bem longe,

a acelerar, eu deva

agradecer a minha

queda, este derrame 

súbito na berma

de uma estrada de província

arborizada. Aqui,

meio das ervas, 

a bicicleta adiante,

caída igualmente

pelo chão,

roda desfeita

do embate contra

a árvore próxima. De

aqui, da queda,

outro olhar

me surpreende,

outra consciência

toma conta

de como a tudo

vejo. As árvores

em volta, o asfalto

desgastado, macilento,

o verde esmaecido

dos campos serenos

da colheita, a própria

luz da tarde,

enquanto um solitário

pio corta o

seu silêncio. Talvez

eu deva agradecer-te,

se, por vezes,

ficar caído tem

uma qualquer doçura

de interromper o esforço,

romper de vez 

a fantasia tonta,

inconsequente, de 

permanecer

no movimento.


Bernardo Pinto de Almeida

Pintura de Magritte

https://www.youtube.com/watch?v=mqtEISLWtoM

Nenhum comentário:

Postar um comentário