domingo, 24 de novembro de 2013

Avó Ménha


Os anos da Avó Ménha eram uma festa. Lá se encontravam, para além dos bolos e das sandes e das gasosas, uns cheiros estranhíssimos e apelativos. Ela morava na parte lateral de uma enorme oficina; mas não era nesta que residia a origem dos cheiros. Era entre ela, a casa e a neta. Esta trilogia cheirante haveria de representar para toda a família um eterno mistério olfactivo.
A maior curiosidade da trilogia era o contraste evidente que entre elas havia. Ainda olfactivamente falando. Ao passo que a casa transpirava tempo e mofo, a Anika - neta da Avó Ménha, emanava uma intensa juventude, representada e muito bem representada no reino do olfacto pela sua catinga penetrante, perigosa, pontiaguda mesmo. O último elemento tríptico, sem dúvida o principal, era a rija Avó Ménha que numa mistura mais que mística reunia nela e na sua aura todo um mundo de cheiros deste e do outro mundo. Os seus cheiros deste mundo eram de certa maneira decifráveis e nessa mistura, mesmo para um nariz infantil ou amador, era possível reconhecer o cheiro de muitos temperos acumulados, cheiros de caminhadas longas a pé, cheiro do tempo, de solidão e da dor dos que lhe tinham morrido. Os seus cheiros do outro mundo eram mais reservados, sendo-nos somente permitida uma pequena associaçãozinha: com a morte. No seu andar vagaroso, na sua boca bafienta, nos seus olhos de pele cansada, nos seus movimentos custosos e até nos calos salientes das suas mãos, a Avó Ménha transbordava cheiros do outro mundo.

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