domingo, 17 de novembro de 2013

Sol invernal


Sentado ao sol, num dia frio de inverno, o homem
espera que as nuvens cheguem. Com elas virão as notícias
do norte, o som de antigos vapores ao entrarem
na barra, o pregão dos ardinas a venderem os primeiros
jornais do dia, os gritos das criadas, no pátio,
enxotando as galinhas e os rapazes que as vinham
espreitar, a voz abafada das raparigas em lágrimas,
nas grades do confessionário, e os sinos que chamavam
à missa e traziam, atrás deles, o ladrar de cães vadios
em matilha no meio dos campos. Mas o sol que
aquece o dia de inverno parece afastar as nuvens;
os vapores afastaram-se no cais de uma ode
marítima; os jornais foram queimados por vagabundos
que precisavam de se aquecer; as criadas envelheceram,
e nos seus olhos secos pela idade morreu
o desejo dos rapazes; e a rapariga que saiu
do confessionário, secando as lágrimas, ainda
desfia as contas de um rosário há muito
perdido. E o homem, sentado ao sol,
num dia frio de inverno, pergunta em que campo
se perderam as matilhas de cães vadios, e tenta
ouvir, para lá dos prédios da cidade, os latidos
que se confundem com o toque dos sinos
que enche de nuvens o seu espírito.

Nuno Júdice
http://www.youtube.com/watch?v=Dxjpn39PXXY

Nenhum comentário:

Postar um comentário