quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Poema da Terra Adubada


Por detrás das árvores não se escondem faunos, não.

Por detrás das árvores escondem-se os soldados

com granadas de mão.

 

As árvores são belas com os troncos dourados.

São boas e largas para esconder soldados.

 

Não é o vento que rumoreja nas folhas,

não é o vento, não.

São os corpos dos soldados rastejando no chão.

 

O brilho súbito não é do limbo das folhas verdes reluzentes.

É das lâminas das facas que os soldados apertam entre os dentes.

 

As rubras flores vermelhas não são papoilas, não.

É o sangue dos soldados que está vertido no chão.

 

Não são vespas, nem besoiros, nem pássaros a assobiar.

São os silvos das balas cortando a espessura do ar.

 

Depois os lavradores

rasgarão a terra com a lâmina aguda dos arados,

e a terra dará vinho e pão e flores

adubada com os corpos dos soldados.


António Gedeão

https://www.youtube.com/watch?v=m0GTEyE2r5k

Pintura de josé Luís Bardasano


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